“por muito que faças muitas coisas parece que serás sempre nada, mas não é por isso que tu não tentarás sempre!”
Imaginem que estão a andar na rua ou até em casa. De repente e sem qualquer anúncio o chão abre e nós somos sugados para uma espécie de viagem ao centro da terra que, no fundo, não é mais que uma viagem ao centro de nós.
Essa viagem, passa por camadas espessas de inconsciente, consciente e sentir, cobertas das mais variadas cores e texturas. Por vezes podemos esticar o braço e tocar com as mãos e sentir uma energia revigorante em circulação. Noutras humedecemos os olhos enquanto absorvemos o que vemos. A harmonia conjuga-se em pleno com o conhecimento e, quando chegamos a um centro, que não sabemos qual é, sentimos no nosso peito uma imensidão tal que, quase nos corta a respiração.
É assim a viagem de Uma Palavra Começada Por N. Uma viagem que tem todo um caminho conceptual por detrás, revelando sempre e, cada vez mais, a genialidade da pessoa da qual estamos a falar. noiserv não é somente um one man band. Não é somente um artista exímio que não dá ponto sem nó. noiserv é a personificação daquele ideal onde a surpresa ainda existe e, disco após disco, nos continua a oferecer o impacto dessa surpresa e fascínio, não só a nível musical como conceptual. O artwork, os vídeos, os títulos das músicas, a relação entre tudo feita de modo subtil, os timings e tudo o que chega até nós foi pensado com um conceito que, quando descoberto e sentido, nos deixa sem chão de espanto e admiração. E aí começamos uma segunda viagem. E terceira. E várias.
É muito fácil fazer música, principalmente nesta era em que vivemos. O difícil é fazer com que essa música entre dentro das pessoas, fique e seja uma fonte de transmissão. Essa transmissão pode fazer-se de várias formas, mas creio veemente que, a principal, seja quando é feita com o coração.
No caso, a mescla entre coração e genialidade transporta-nos a lugares de onde não queremos mais sair.
Uma Palavra Começada Por N pode ser muita coisa e, como ele próprio diz, tudo depende sempre do local onde estamos e da maneira como absorvemos as coisas. Mas é, sem qualquer dúvida, um dos melhores discos deste ano nulo que, ainda que nos tenha tirado muita coisa, não nos tirou o gosto de ouvir, perceber e sentir um bom disco. São 11 músicas cuidadosamente trabalhadas de forma meticulosa, onde cada instrumento e som se consegue interiorizar, fazendo-se acompanhar de uma carga lírica intensa, densa e crua demonstrando, uma vez mais, a simplicidade complexa do ser que temos diante de nós.
Foi esta descoberta do que havia por detrás de tudo o que este disco significa que nos levou até David Santos para uma conversa sobre este seu mais recente trabalho.
Música em DX (MDX) – Neste ano completaste 15 anos de carreira e leio no press release do disco que: “O nosso entendimento do mundo, depende também do lugar de onde o olhamos”. Neste teu caminho de 15 anos, mudarias alguns lugares ou achas que todos eles te permitiram ver, olhar e sentir de maneira para que estejas hoje aqui, assim?
David – Acho que todos eles fizeram isso. Se não, não estaria neste momento no sítio onde estou agora. Se calhar um dia que as coisas comecem a correr mal a pessoa pode perceber o que podia ter mudado ou não ter feito para que aquilo corresse assim. Claro que há coisas que podem correr melhor ou pior num caminho mas se tu sentes que a coisa vai sempre crescendo, é porque em média até foi bem feita. Portanto não acho que mudasse grande coisa. Essa frase não diz que eu tenho esse entendimento mas sim que essa seria a maneira correcta de conseguir fazer as coisas. Acho que ainda sofro, e há uma música neste disco que fala disso, do mal de perceber em que sítio é que tu estás ou que não estás e isso dá, de uma maneira muito filosófica, para a tua vida no geral. No entanto, falando dos 15 anos de carreira leva-te a questionar demasiadas vezes o bom ou o mau que és a fazer as coisas e isso, por um lado, é bom porque tu queres sempre fazer melhor do que aquilo que já fizeste porque achas que pode não ter sido nunca suficiente. Pode ser mau porque pode assustar o nunca atingires aquilo que gostavas de fazer. Às vezes enviam-me emails ou entrevistas a perguntar como é que se consegue chegar onde tu chegaste. Não consigo sequer explicar isso em pouco tempo.. é muita coisa, muitas histórias. Se eu tenho a capacidade ou não de me conseguir pôr de fora disso tudo e avaliar da melhor maneira? Se calhar umas vezes tenho e outras não.
MDX – Fala-me do processo de criação do disco e do espaçamento temporal entre o anterior.
David – No caminho dos discos eu acho que este tem um caminho, na minha visão, próximo dos anteriores ao do piano mas eu vejo um caminho entre os discos todos. Acho que o instrumental pode estar mais trabalhado não estando tão cheio, eventualmente, eu tive um cuidado muito maior em todos os instrumentos. Este teve uma busca muito maior por cada um dos sons. Enquanto que no disco de 2013 se calhar, sem que isso seja mau, o objectivo era ter muitas melodias, muitas camadas e qualquer som do teclado servia para fazer uma melodia que encaixava em cima das outras, neste, ás vezes, eu perdia 3 ou 4 dias a fazer o som de uma introdução porque não gostava ou porque me fazia lembrar não sei quem ou porque me fazia lembrar uma coisa minha ou porque me fazia lembrar a música que tinha estado a fazer no dia anterior… portanto acho que este teve todo esse trabalho muito mais dedicado a cada uma das coisas.
O facto de passarem 4 anos, neste disco em particular, o disco está todo feito desde o final do ano passado portanto é como se fossem 3. Eu tenho uma coisa que poucas pessoas que eu conheço têm, que é: eu não me importo nada de esperar se essa espera fizer sentido para que nada pareça precipitado e acho que cada vez mais me incomoda a precipitação, cada vez mais me incomoda o ter de dar uma resposta sem poder pensar naquilo durante um tempo. Portanto não são 4 anos a batalhar com as coisas, eu tenho um período a seguir a cada disco em que não consigo fazer nada das minhas coisas porque aquilo é demasiado absorvente e intenso e depois, felizmente, também tenho muitos concertos e muitas coisas que me vão fazendo distrair desse processo da composição. Por isso talvez tenha começado a pensar neste disco algures em 2017 e em 2019 o disco estaria feito. Depois queria ter uma parte de vídeo muito mais intensa do que aquilo que tinha tido, queria que os vídeos se unissem uns com os outros e aí a parte conceptual teve de ser mais pensada. Não que a história fosse a mesma, mas que a “cor” fosse sempre a mesma que era aquilo que eu não tinha nos discos anteriores onde tinha 3 singles e os vídeos eram todos diferentes uns dos outros. Aqui houve a necessidade de ter um fio condutor e na altura em que eu tinha o disco todo feito em outubro, havia a hipótese de o disco sair em fevereiro ou no setembro a seguir no entanto acho que as minhas músicas são mais de depois do verão, não sabendo sequer que não ia haver verão este ano e tinha-se falado em lançar as músicas todas em 2 semanas. Mas não.. vivemos numa altura em que ninguém tem tempo para ouvir nada e, pelo menos, que cada música pudesse ter 1 mês para as pessoas poderem ouvir. Quando agora escolhi as músicas que ia tocar ao vivo foi muito mais complicado que nos outros discos porque todas podiam ser uma opção, todas elas na minha cabeça tinham um tamanho já e há discos em que as músicas se perdem no disco, ficam no disco e nunca são tocadas e nunca são muito faladas e, eventualmente, até são pouco ouvidas e neste caso, esse tempo que faz com que sejam 4 anos, o último ano foi muito neste trabalho de que o disco não fique tão anónimo ou que algumas músicas não passem ao lado.
MDX – Já que falas nos vídeos, porque é que para este decidiste especificamente lançar todas as músicas, todas com vídeo e o porquê desta ordem?
David – Em vídeo poderia fazer sentido a ordem do disco se os vídeos saíssem de meia em meia hora ou um a seguir ao outro. A partir do momento em que tens uma música durante um mês, passado um mês, a coerência sonora já não é assim tão intensa. Como passado um mês vais ouvir outra música podes saber qual é a anterior mas a importância do alinhamento já não é assim tão discutível. Por outro lado, havia o extra de quando o disco saísse haver um alinhamento diferente daquilo que tu ouviste e, de repente, se calhar tens uma referência de uma música de Janeiro que tu não vês como Janeiro mas como “já conheço muito bem” mas depois essa só te aparece no fim do disco e isso cria novas coisas. Portanto não são 2 discos diferentes mas o alinhamento dos meses foi numa dinâmica de: se eu fosse público, que música é que poderia ouvir a seguir? O alinhamento do disco é enquanto ouvinte de um disco quieto para aquilo ter um caminho a nível sonoro mais completo, enquanto nos vídeos não é bem isso. Os próprios vídeos tiveram a sua importância no lançamento: um vídeo que fosse mais assim ou assado tinha importância no vídeo que saía a seguir e portanto havia um peso grande também no vídeo que saía, no vídeo mais estranho ou menos estranho, no mais directo, no menos directo e esse alinhamento teve muito a ver com um conjunto de muitas coisas que não são só as músicas como é o alinhamento do disco. Em relação a mostrar tudo, isto vem sempre de muitas dúvidas: eu pensei que vídeos é que eu poderia fazer para estas músicas e queria fugir à dinâmica dos stop motions, dos bonequinhos, das paisagens eventualmente sim ou não, dos drones também eventualmente e, se tinha um ano para mostrar o disco ,não queria fazer uma compilação de vídeos, queria fazer com que os vídeos todos fossem a mesma coisa. Aquilo é todo um mesmo sítio. Aquele sítio pode ser aquela sala com aquelas cores roxas ou pode ser a minha cabeça ou a cabeça de uma pessoa qualquer e, portanto, havia muito esta dinâmica de serem as diferentes perspectivas duma mesma coisa ou as diferentes perspectivas de uma mesma pessoa, porque na verdade as músicas são um bocado isso. Tu entras num sítio e para o sítio onde tu olhas tu tiras uma conclusão daquele espaço e cada uma destas músicas é uma conclusão do meu espaço no período em que eu as fiz, portanto tu entras naquela sala e para o sítio onde tu olhas, tu ouves cada uma das músicas e isto é a base da ideia e se calhar é uma obsessão minha de tentar acreditar cada vez mais na unidade do disco enquanto uma coisa só. De repente não te consigo explicar de um momento para o outro porque é que é assim mas até a capa mexer, tem tudo a ver com as perspectivas, está o mundo todo baralhado, tu mexes e aquilo entra para dentro de mim, eu entro dentro de um sítio e o que é que eu vejo? Cada uma destas músicas é a banda sonora daquele espaço, aquele espaço pode ser a minha cabeça. Depois podes metaforizar cada vez mais porque tudo tem muitas vertente,s porque cada momento tem a ver já com a música e as músicas não falam todas do mesmo, se saíres um bocadinho dali mas não deixas de estar porque é tudo o mesmo.
MDX – A nível lírico, deve ser o disco mais forte que tens e não só é o mais forte como é cantado em português. Quiseste manter o português por causa dessa força? Porque em português é mais cru, mais duro e sentido do que inglês que dói menos?
David – Inicialmente não houve essa ideia ou objectivo até porque eu acho que a minha aprendizagem no cantar em português foi maior neste disco do que nas outras coisas todas que eu já tivesse feito em português. O disco de piano tem as 3 músicas cantadas, uma é muito repetitiva e as outras são um verso muito quadrado onde não rimam todos mas há uma rima, uma coisa mais repetida. Neste disco, se calhar, o desafio maior era este de fazer o que já tinha feito antes, que faria com o inglês mas ter músicas onde há duas melodias a serem cantadas ao mesmo tempo, coisas que eu não quero que sejam quadradas, que as rimas batam no mesmo sítio… portanto esse trabalho todo era o desafio de fazer em português porque isso, na verdade, eu não tinha feito e quase que no piano consegui experimentar como é que era o português. Comecei a perceber verdadeiramente nas de piano, aquelas duas que ficam mais, a “vinte e três” e a “dezoito”, que se eu estiver a sentir aquilo que estou a dizer, aquilo é mesmo mais forte do que quando é em inglês e neste comecei-me a aperceber também disso à medida que fui fazendo e, de repente, aquela música ter aquela frase certa sempre que eu digo aquilo no concerto, seja o concerto que for, bate-me sempre da mesma maneira porque é forte o que que estou a dizer. Portanto isto não foi uma coisa pensada à partida porque eu não tinha essa consciência. Na “Neutro”, que é uma música que já toco ao vivo desde o princípio, há aquela parte em que eu digo “Eram dias mortos numa luta de querer ser sempre aquela coisa que tu pensas que os outros querem ver-te” e cada vez que o digo eu penso nisso. Tu vives obcecado muitas vezes com aquilo que os outros pensam de ti e sempre que canto essa música penso sempre nisso e em inglês eu não penso no que estou a dizer. Em inglês é uma história que eu sei qual é que é, que até posso explicar antes mas quando estou a cantar não estou a pensar tanto e quando digo aquela frase em português bate sempre mais. Por isso acho que o português tem verdadeiramente essa força e que eu descobri não só com disco mas com os concertos e a ideia é continuar a descobrir mais.
MDX – E vais continuar a cantar em português?
David – Não sei bem. Acho que me saem muitas melodias em português e ainda me saem muitas em inglês. Anda-me a começar a fazer alguma confusão no alinhamento começar com quatro músicas em português e quando aparece uma em inglês começa a ser esquisito e, nesse equilíbrio, se calhar um outro disco em português vai começar a corta as músicas em inglês. Talvez o que equilibrava agora esta dinâmica era um EP em inglês, mas não sei. Neste momento estou na fase em que não consigo pensar no que vou fazer a seguir, por isso não sei.
MDX – Em relação à letra N, tenho uma lista de palavras começadas pela N onde há palavras boas e palavras menos boas e esse título pode ser inúmeros significados. Gostava de saber se o N é de noiserv ou se é algo relacionado com estes conjuntos de palavras com diversos sentidos.
David – Cada vez mais perco cada vez mais tempo a pensar nos pormenores das coisas todas e eu acho que o cantar em português me tornou muito mais esquisito com as palavras. O disco de piano teve a fuga a um título com os zeros que era o título que mais sentido fazia com aquele conceito do disco mas não deixa de ser uma maneira fácil de não escolher uma palavra e neste não podia fugir a isso. Não queria por uma frase ou uma expressão porque “ah o noiserv é o gajo dos títulos compridos”, mas o noiserv não é o gajo dos títulos compridos, há outros títulos que se podem fazer. Então de repente que palavra é que pode definir isto? O disco começou a ter muitas leituras e escolher uma palavra para isso parecia ser demasiado difícil e eu estava já numa altura em que precisava de nome porque não tinha nome para o disco. Não havia nada que me fizesse verdadeiramente sentido. Cheguei a um ponto em que andava a abrir aleatoriamente livros que encontrasse nos sítios e escolhia uma palavra ao acaso e aquela palavra dava-me uma ideia ou outra ideia e há um livro que eu não sei se está lá ainda, numa loja de cremes na graça, que acho que é um livro sobre guerra mas não tenho a certeza, onde abri uma página à balda e o subtítulo em cima não sei se era uma palavra começada por N ou só a palavra começada por N e eu pensei que aquilo era engraçado, nem estava a pensar no N de noiserv mas era engraçado um título desta forma em que tu não dás uma coisa concreta, o título tem muitas hipóteses. Na altura escrevi aquele título na lista dos vários títulos e não sei se foi logo no dia a seguir ou depois comecei a pensar que era engraçado e tem a piada de ser noiserv, ainda por cima. Este título não te diz tudo e achei que isso nesta questão das perspectivas, não perspectivas, é a mesma coisa. Pode ser tudo. Portanto não há uma palavra nem sequer pensei numa lista de palavras começadas por N. Gosto, acima de tudo, da ideia de não ser uma coisa só e, portanto, foi a maneira perfeita de fugir aquele preconceito de chamar-se floresta ou chamar-se labirinto, tudo me parecia insuficiente.
MDX – As riscas/linhas é algo que tens muito presente na tua vida. Acredito que tenha ficado imagem de marca por acaso sem ter sido algo pensado. No entanto, esta escolha das linhas no disco que estão ligadas a ti já pela imagem pode querer dizer, ainda que inconscientemente, que estás à procura de um fio condutor, uma ponta solta ou algo que simboliza uma espécie de caos?
David – O início das riscas é uma coisa totalmente casual. Num concerto qualquer, algures em 2009, a t-shirt que eu tinha mais nova era às riscas e num concerto a seguir, a mais nova que eu tinha seria a mesma e usei a mesma t-shirt e houve ali um período em que passou a ser um bocado uma espécie de superstição, tal como a palheta que eu tenho que é a mesma desde o primeiro concerto de 2005 e nunca perdi, tenho essas coisas. As riscas foram ficando e depois passou a ser natural. Não tenho aquilo de ter 2 roupas uma para o concerto e outra.. eu nunca levo roupa suplente para o concerto, portanto se me sujar todo antes de tocar, vai ter de ser assim. Acho que a pessoa que vive, é a mesma que toca.
Eu conheci o Nuno Sarmento num festival em Figueiró dos Vinhos e ele estava lá enquanto ilustrador e eu fui dar um concerto e ele tinha um rolo de papel de 10 metros que levava aos sítios, fosse concerto ou exposição e desenhava cada uma das coisas e, na altura, quando me mostraram aquilo o que eu gostei foi que ele tinha um concerto e a seguir tinha uma exposição sem os dividir. Ele passava de uma realidade para a outra e aquela passagem fez-me lembrar aquelas imagens em que tu olhas e não percebes onde estás ou que não estás e não percebes o que é que é a parte de cima ou a parte de baixo, tipo uns prismas metidos uns nos outros. Na primeira reunião que tive com ele sobre a capa expliquei que era bom que a capa não fosse óbvia e que tivesse várias leituras, isto mesmo no início, ainda nem havia vídeos nem nada. Depois terá chegado uma altura em que eu pensei que havia aquela técnica das coisas desaparecerem e era bom era isto mudar e depois pensei que se o disco fala do mundo, e que tudo o que está à minha volta é o que eu absorvo e daí acontece o disco, então tem de estar tudo riscado e quando aquilo desaparece aparece o disco e vem para dentro de ti e daí surgiu esta parte. Depois numa outra conversa surgiu que quando vai para dentro de mim, vai fazer as riscas que podem ser as riscas que eu uso há 10 anos, mas se reparares as riscas não ficam dentro de mim, saem para fora porque tu, quando absorves tudo o que vem de fora, não ficas neutro em relação aquilo que te aconteceu, ficas quase com uma aura à tua volta daquilo que acabou de acontecer e que acabaste de sentir das coisas e, de repente, a capa é tudo isso. Se calhar o N tem mesmo de ser de noiserv por essa coisa toda, porque isto é um todo cheio de histórias. Portanto as riscas ali são de confusão mas há também uma curiosidade que é ele nunca levanta a caneta naquilo, aquela linha é algo contínuo, não na ideia do labirinto.
MDX – “Na minha vida pouco escolhi, onde estou e o que nunca sou e um dia ninguém dirá que eu também morri, aqui.” Fala-me disto.
David – Esta música é uma readaptação duma música que já tinha aparecido no filme do documentário do Eduardo Lourenço e grande parte da letra é feita com base nos diários dele, mas a parte final da música já não é e já é a minha interpretação das coisas e isso é uma música que se liga um pouco à “dezoito” do outro disco que é a ideia de que por muito que faças muitas coisas parece que serás sempre nada, mas não é por isso que tu não tentarás sempre!
MDX – Mas porque é que tens sempre essa ideia do nada?
David – Não sei! Porque acho que é um bocado isso, duas ou três gerações e tu desapareces a não ser que sejas o D. Afonso Henriques. Acho que isso vem com o entendimento de que tudo o que é a vida ou não termina no momento em que tu não percebes porque é que apareces e não acredito em almas e energias nem nada disso, acredito que desapareces mesmo depois. Porque senão, se viveste tantas coisas, tinhas de te lembrar delas, se não me lembro, é irrelevante. É realmente muito parva esta questão de tu estares cá o tempo que não controlas a fazer o que? e é muito estranho tu seres indiferente. Não para ti próprio mas os outros. É como se fosse a fatalidade desta coisa toda embora eu tente lutar contra isso. É o que eu já dizia na “dezoito”, tu queres sempre ficar um bocadinho mais para além do tempo em que já não ficas e isso tanto dá morrer ou não morrer ou ires-te embora. Acho que essa luta e sofreguidão de querer fazer coisas e não fazer e de lidar de uma maneira muito intensa com o facto de conseguir tocar ou não nas pessoas vive dessa necessidade, dessa busca por não ser indiferente ou por ser importante para os outros. Se calhar é essa a base. Não sei porque é que tenho isso, mas tenho. Voltando à frase, tem uma parte no princípio que acho mais poética e a parte fatalista no fim é quase como uma provocação para mim próprio.
MDX – Em relação aos concertos de apresentação, já tinhas dito que tinhas escolhido as músicas.
David – Sim, foi a vez mais esquisita de escolher porque parece que todas elas tinham mais espaço do que antigamente e se calhar ficam de fora algumas mais importantes, não sei. Também tem a ver com uma questão de dinâmica de as conseguir tocar. Há algumas que são impossíveis.
MDX – Era isso que queria saber, se sozinho estavas a conseguir o mesmo resultado ao vivo.
David – Tive de pensar e decidir. Eu gosto que as músicas sejam coerentes com o disco e há músicas em que não dá para manter essa coerência. Há outras em que pode ser engraçado uma versão mais acústica da própria música mas isso funciona uma vez e, portanto, essa escolha das músicas vive muito dessa dinâmica, mas acho que consegui.
MDX – Há alguma coisa que estejas a preparar para os concertos de apresentação que possas dizer?
David – Em termos de palco as coisas vão ser diferentes neste registo de perspectivas/não perspectivas. Não é uma coisa super elaborada, até porque uma coisa que eu quero é não ter um concerto num teatro grande com muitas condições e depois num sítio mais pequeno só ter 2 candeeiros. Quis ter uma coisa que desse para fazer em todo o lado, portanto não é uma coisa super croma mas tem um desenho e dinâmica diferentes e depois é fazer um pouco aquilo que fiz nos discos todos contrariando a ideia de que um concerto de lançamento é só para as músicas novas. Eu acredito que um concerto de apresentação é de continuidade tal como os outros. Há um disco novo, há músicas novas que têm de se conseguir juntar às outras. Vou tocar 6 músicas deste disco e é metê-las no meio das outras! Algumas vão acabar por sair ou por ser trocadas mas a preparação é essa, é: de que forma é que se sente que há um disco novo mas que esse disco novo é uma bola de neve que se vem enchendo e que quando chega, chega mais preenchida e não só com uma cor diferente?
O disco sai hoje tal como o último vídeo “Sempre Rente Ao Chão” e começa a ser apresentado ao público hoje fazendo parte de uma tour que vai percorrer o país.
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