Backstage

Uma caixinha de surpresas de nome h0b0

Muitas vezes o desconhecido e invulgar assusta-nos. Esta sensação tira-nos da nossa zona de conforto e isso faz com que, a maioria das vezes, rejeitemos o desconhecido. No entanto, não é por não conhecermos que ele é negativo! Muito pelo contrário. O desconhecido traz-nos locais e sensações que não sabíamos que existiam e, arriscar um salto para a incerteza faz sempre com que nos sintamos mais vivos.

Rolando Babo é h0b0. Rolando Babo é um rapaz que deu um salto no desconhecido fazendo apenas a vontade ao que os seus instintos e sentidos lhe gritavam. O resultado foi redo e toda uma gigante surpresa especial e cheia de brilho. Ao todo são 17 loops. 17 ideias concebidas com a forma libertadora de quem faz o que sente. redo é estranho à primeira audição, deixa-nos com questões, abismados e, até, meio receosos. Conforme as audições vão rodando o cadeado cai e tudo se torna mais claro. A absorção faz-se na completude e o desconhecido começa a ser família.
Foi a propósito desta criação que saiu a
10 de Agosto que estivemos a conversar com Rolando para que nos explicasse melhor quem era e o sentir da música. 

Música em DX (MDX) – De onde e como aparece h0b0?

Rolando – h0b0 aparece em 2017. Começou como um projecto de final de mestrado. Eu tirei mestrado em Design de som e essa foi a desculpa que alavancou o arranque porque eu já queria experimentar coisas mais ligadas à electrónica. Surgiu também como um escape a outro projecto que eu tinha na altura que era Bear Bug que só lançou um single. Com este projecto não me sentia bem e mentalmente preparado. Quando h0b0 surgiu não tinha propriamente um propósito, ou seja não pensava em vender as músicas, lançar coisas, era apenas para experimentar outras abordagens à música. Começou por ser muito focado na electrónica dos anos 80, assumidamente anos 80, ou seja todas as coisas desde as entradas com os timbalões, aquelas melodias mais cheesy, tudo porque era divertido. A base sempre foi essa, era divertido. Era algo que saia de mim mas que eu filtrava porque não fazia sentido para mim o que era um pouco absurdo porque se eu tive essa ideia é porque faz sentido para mim e h0b0 acabou por ser isso. Começou por electrónica dos anos 80 e depois foi-se adaptando a tudo o que eu quisesse fazer. Dependendo sempre dos dias, há dias em que me apetece uma coisa mais assumidamente electrónica, outros em que só apetece pegar na guitarra e gravar algo na guitarra e voz. h0b0 é o espaço onde eu posso fazer isso tudo. Há sempre coisas que tu podes aprender em todos os géneros e para mim não faz sentido estar a castrar um e dizer “ah ok este projecto é assumidamente electrónica, só electrónica” não! pode ser tudo porque eu quero experimentar imensa coisa. Vejo h0b0 como um projecto para ter enquanto eu vou estando por cá. 

MDX – Acerca dos nomes h0b0 e redo, gostava que me explicasses o seu significado. 

Rolando – redo vem de refazer (em inglês) porque há uma pré produção de um álbum que existe já desde 2018 que se chama nothing to undo e a ideia do redo foi ser o passo antes do nothing to undo e, também, pelo facto de as músicas serem em loop, ou seja a ideia de refazer fez sentido. h0b0 não sei o porquê de ter escolhido este nome, quando encontro os nomes por norma não consigo perceber a sua origem. São nomes que aparecem e eu gosto. Agora o nome h0b0 é associado a sem abrigo mas os hobos originais era a malta que depois da grande depressão ia nos comboios clandestinos à procura de novas oportunidades de trabalho, ou seja, não eram os sem abrigo, era uma malta que não tinha uma casa mas que ia para outros sítios do país à procura de novas oportunidades e achei que fazia sentido. Mesmo a coisa de fazer o que consegues com o que tens, é um bocadinho isso. 

MDX – No press release tens escrito “de vez em quando façam coisas que vos assustem”. Assustou-te fazer este disco?

Rolando – Sim. Fazer música é um bocadinho assustador. Porque é uma paixão. Eu nunca tive um plano propriamente delineado, ou seja desde há muito tempo que eu pensava que queria fazer alguma coisa na música o quê não sabia mas esse era o meu plano e quando estás no meio, ou seja quando tens de fazer, é uma incerteza e instabilidade estares a investir o tempo e todo o teu trabalho em algo que não sabes qual é o resultado e na música e nas artes não acho que devas esperar um resultado apesar de ser bom que sintas algum progresso e acho que esta é a beleza da coisa: são experiências que são difíceis de replicar noutros contextos. Mesmo com um concerto, concertos não é a coisa que mais goste, mas sei que é um desafio. É uma experiência de muita vulnerabilidade que é: eu estive a fazer estas músicas e agora ouçam que eu estou aqui a apresentá-las para vocês. É um momento de partilha muito bonito mas obriga-te a colocar numa posição onde que estás muito exposto. É por fazeres as coisas que assustam, aquilo que queres fazer mas que dás um passo atrás, que cresces e desenvolves tudo tanto em relação a ti como aos teus projectos. É um bocadinho pelo desconforto que vais crescendo e a ideia é essa. Mesmo para h0b0, eu quero fazer coisas que fujam um bocadinho daquilo que eu sei para conseguir continuar a expandir-me. Acho que é uma boa frase para reger alguns dias, ás vezes não há problema em deixar que os medos ganhem mas é fixe ir lutando um bocadinho. O que me vou apercebendo é que aquilo que te assusta por norma são as coisas que têm de se fazer. É quase aquela reacção do teu corpo estar confortável e depois expôr-se ao desconhecido sem saber o que vai acontecer. É contrariar isso. 

MDX – Encontro uma mistura poética de sons e texturas nos loops. Queres explicar-me essa poesia?

Rolando – Não sei bem a que te referes em concreto mas posso falar um bocadinho. Uma coisa que eu gosto e quero aprimorar é trabalhar com as texturas para criar ambientes sonoros porque é isso que eu gosto na música também. Estar a ouvir e sentir que aquela música, por mais curta que seja, tem um universo específico. Para além de ser para mim das partes mais divertidas, este EP foi gravado com uma guitarra de 12 cordas, um microfone e o meu portátil, é bastante reduzido o meu material mas é muito divertido pegares numa guitarra de 12 cordas e veres até onde é que a podes levar e transformar aquilo em mil e uma coisas. É um bocadinho isso, encontrar a intenção por detrás de cada elemento. Acho que é um processo no qual já estou a ficar melhor, espero no futuro continuar a afunilar isso para não ter elementos de “ah é bonito mas não cumpre o propósito”. As letras são muito curtas porque são quase um lembrete para mim e para pessoas que me rodeiam de coisas que me esqueço de dizer ou que às vezes me esqueço simplesmente. Todas as músicas são um lembrete desde a primeira à última. Já me disseram que ao ouvir o EP sentiram que cada música é uma emoção e é um bocadinho isso. Na primeira música, a “every_end”, eu gosto da mensagem porque faz sentido no EP porque “after every end, we start again” e é sempre isso, aplica-se ao dia a dia, depois de cada fim há um novo começo. O redo acaba por falar sempre um bocadinho disso, da ideia de tentar sempre, falhar e às vezes conseguir chegar a sítios, fala de te alinhares com aquilo que é mais genuíno para ti. Há uma música que eu gosto e que às vezes me salta à cabeça que é a “be_until_you_are” porque a letra parece muito tosca “this is the last song i wrote, nothing to fear, nothing to hope, this is the last song i wrote, be until you are” porque é isso, ir tentando seres até conseguires sentir-te pleno. Há coisas que eu gosto muito neste EP, gosto do conceito, acho que tem mensagens bonitas para mim e quem quiser ouvir. Acho que pode ser uma boa companhia. 

MDX – Tu começas as letras com uma mensagem de esperança (aproveitar a vida, o tempo, o amor) e depois vais decaindo para algumas incertezas e inseguranças. Estas letras são um confronto pessoal? 

Rolando – É um bocadinho isso. Acho que a ideia de assumir a tentativa faz com que isso seja algo natural. Quando tentas há alturas que vais estar motivado e deitas-te a pensar que o dia a seguir vai ser espectacular e tens muitos planos e depois chegas ao dia seguinte e afinal aquela energia toda desapareceu e tens de tentar na mesma mas numa energia que não facilita o processo. Neste EP há músicas que foram mais fáceis de fazer, há outras músicas que, pelo que eu fui passando (porque foi feito numa altura específica para toda a gente que foi a altura do confinamento, apesar de ter estado tranquilo porque estive no campo e aqui as coisas são diferentes), me obrigou a olhar para dentro e confrontar as coisas que são menos boas. Uma das minhas grandes lutas é aceitar que o que eu fiz  naquele momento é o melhor que eu sei fazer e que não importa que seja perfeito mas sim fazer e mostrar para poder fazer mais e quanto mais cresces melhor as tuas coisas vão ficando. Mas é uma luta complicada, há alturas em que ficas a pensar “é isto? é isto que realmente quero fazer? é este o meu propósito? faz sentido investir o meu tempo nisto?” por isso é que tens músicas como a “be_until_you _re” que é toda cheia de elementos e passa para a “dissatisfaction” que, no dia em que a fiz foi um dia em que cheguei ao fim com a sensação de ter sido um dia mau e depois no dia seguinte ouvi-a e percebi que representava na perfeição aquilo que eu sentia, a insatisfação do dia e há beleza nisso. Há belezas que se revelam mais tarde.

MDX – Diz-me porque é que começas ao contrário. Normalmente começamos mal e depois vai surgindo a esperança, mas no teu disco começas com esperança e depois vais decaindo. 

Rolando – Não sei bem porquê. Eu acho que o álbum começa de uma forma mais esperançosa, cai mas depois vai voltando outra vez a um tom mais esperançoso com conhecimento de que houve fases más. Porque a última música não me parece um final um triste, apesar de estar a pedir desculpa, eu vejo essa música como um pedido de desculpa pelo comportamento natural do ser humano mas a ideia central é de que eu estou a tentar fazer o melhor por mim, estou a tentar ser o melhor de mim e isso acaba por fechar bem o EP porque acaba por resumir um pouco o conteúdo. A mensagem é que eu estou a fazer o melhor para ser o melhor de mim apesar de haver alturas em que vou abaixo.

MDX – Vamos falar um pouco destes loops. Quando ouves e começas a entrar na música, ela acaba. Quero saber qual é o motivo pelo qual decidiste fazer as coisas assim.

Rolando – Tive gente que disse que pensava que aquilo era aquela amostra que tem no itunes e depois se comprares o álbum ouves o resto da música. Eu acho piada, o conceito é diferente. Surgiu porque eu trabalho no Ableton e comecei a fazer uma banda sonora e estava na banda sonora e pensei em começar a trabalhar por loops para poder começar a jogar com um arranjo ou seja, tenho uma guitarra que está em loop e posso ir juntando elementos consoante a curta/filme for pedindo e acabei por usar essa técnica para fazer isto. Quando eu estava a trabalhar gostava de ouvir em loop porque a música chegava ao fim e começava outra vez. Há músicas que eu me divirto a ouvir várias vezes porque acho que são músicas divertidas para se ouvir várias vezes e é aquela coisa de ouvir até enjoar. Para além disso tem a coisa de: eu sempre tive dificuldade em fazer músicas na duração normal de 3 min ou o que fosse, aquele padrão convencionado pelas rádios, porque eu pego na guitarra e depois de encontrar uma melodia e uma letra, assim que sinto que a mensagem ou o propósito da música já foi encontrado, para mim não faz sentido estar a acrescentar partes para a música ter uma duração específica. Porque é isso, se eu já disse tudo o que tinha a dizer, eu posso dizer mais coisas mas já não faz sentido, é acrescentar só porque sim. Até aqui fazia o esforço de “ok vamos arranjar outra parte ou repetir o refrão ou um verso”, nestas músicas eu assumi que não fazia sentido, se a mensagem da música é isto e não há nada que eu queira acrescentar, então a música acabou. Se as pessoas quiserem ouvir mais podem ouvir em loop ou podem simplesmente aproveitar a viagem de 16 minutos e é isso! É estranho mas eu acabei por gostar do conceito, por mais que não seja mostra que é sempre possível fazer as coisas à tua maneira. Pode ser bem recebido ou não, as pessoas podem perceber ou não mas é sempre possível e não é nada de monstruoso, é só fazeres e levar para a frente, que foi que aconteceu. Este conceito é estranho? É! Mas é completamente exequível de acontecer. É um primeiro passo para eu continuar a fazer coisas que eu sinto que são mais alinhadas comigo. Quando fiz as músicas, no início, não pensava em juntar tudo num EP porque as músicas existiam sozinhas e eu gosto delas em loop. A ideia inicial era ter as músicas no site ou onde fosse e as pessoas podiam ouvir mas depois passei para o telemóvel quando ainda estava a trabalhar nelas para ir ouvindo e quando ouvia, havia passagens que faziam sentido. A sensação que eu tinha era como estar numa viagem de comboio em que estás a andar e entras num túnel e o cenário muda de repente e era isso que sentia a ouvir o EP, depois foi encontrar uma linha.

MDX – Porquê uma cassete?

Rolando – O valor estético de uma cassete é muito maior do de um CD porque. As pessoas perguntam: onde é que vou ouvir a cassete? e a resposta é: onde é que vais ouvir o CD? Nesta altura já é muito raro ter sítio para ouvir CD, a não ser no carro. Entre um CD que é uma coisa que mais gente pode ouvir mas nem assim tanta gente pode ouvir e uma cassete que eu acho que é um objecto mais bonito, preferi a cassete. Tem a parte da nostalgia associada, também, e é uma peça mais bonita. Mesmo para os próximos discos, acho que a nível estético é mais versátil uma cassete que um CD e depois há a parte dos custos em que a cassete é bastante mais económica que um CD.

MDX – Já tinhas dito que não gostavas muito de tocar ao vivo , mas queria saber se estavas a planear alguma coisa para fazer com este EP. 

Rolando – Tenho algumas ideias. Não sei quando vão acontecer. h0b0 deu um concerto no dia 6 de Março no Teatro Sá da Bandeira foi o único concerto e depois foi tudo cancelado. Esse concerto foi bom, podia ter corrido melhor, como tudo mas o feedback que eu tive foi bom porque as pessoas não estavam à espera de nada em concreto e o que disseram é que foi uma experiência não só musical mas também visual. Para o futuro o que eu quero tentar fazer é pegar em h0b0 e ter parte electrónica e outros momentos mais de banda com bateria, baixo e guitarras para poder misturar um pouco os 2 mundos. Electrónica e a parte mais folk com banda era o mundo ideal. É um desafio que me parece interessante, pensando que concertos não é a coisa que mais goste de fazer, quero torná-los uma experiência especial para mim, um desafio que me deixe estimulado e para as pessoas que vão ver ser algo que não estavam à espera. Tenho andado a pensar já em coisas novas e para o próximo álbum que é o Nothing To Undo tinha pensado em convidar algumas pessoas para gravar sopros e cordas no álbum para lhe dar uma vertente mais humana e adorava fazer isso num concerto porque acho é bonito. São estas as ideias que tenho mas não tenho propriamente prazos para já. Temos de ver como isto corre. 

Podem sentir estes loops aqui.