Há sabores e cheiros que nos acompanham ao longo da vida desde o momento em que os conhecemos. Voltamos a eles sempre que há algo que nos desperta essa ligação.
Os anos 90 apesar de não terem como forte a música, como uns 70 ou até 80, viram explodir o grunge e o rock alternativo, fruto de muito daquilo que sou hoje. Felizmente, a minha adolescência foi acompanhada de bandas e não boysbands, de grupos musicais que, ao contrário do que acontece nos dias de hoje onde o fugaz e efémero são primordiais, ainda se escutam pelo mundo inteiro.
Uma banda composta de superdotados e de uma simplicidade de génio fez-me despertar nos anos 90 ao lado daqueles que me acompanharam a adolescência.
Washington D.C.. Apesar de a sua criação remontar ao ano de 2015 foi em 2018 que Coriky deram o seu primeiro concerto e é a 12 de Junho de 2020, em plena pandemia mundial, que lançam o seu primeiro e grandioso disco.
Ian Mackaye foi quem inventou o termo straight edge, é defensor árduo do movimento PMA (positive mental attitude), fundou a editora Dischord e fez parte de bandas como Minor Threat, Fugazi, Embrace e The Evens; está ao cuidado da guitarra e da voz.
Amy Farina, esposa de Ian, pertenceu a The Warmers e The Evens e coube-lhe a bateria e a voz.
Joe Lally pertenceu a Fugazi e The Messthetics a ele, o baixo e a voz.
Três instrumentos, três pessoas e três vozes em coro. Demasiado simples não? Mas não quer dizer que não seja um dos melhores álbuns que este 2020 nos trouxe.
Homónimo, com uma melodia demasiado orelhuda, redonda e sabiamente envolta numa aura de perdição e vício; letras cobertas de palavras chave que se enraízam no ouvido; limpo, limado e lento. Torna-se muito difícil não carregar no repeat quando chegamos ao fim das 11 faixas que compõem esta delícia.
“Clean Kill”. A subtileza do baixo começa de fininho a entranhar-se em tudo o que nos pertence e em poucos segundos o click da-se e caímos aos pés deles. Sem pudor, sem receios e de coração aberto. Poucos acordes e o efeito tranquilizante e relaxante a contrapor-se de modo sarcástico à letra de palavras duras. Pouco difícil não se tornar na minha música preferida logo à primeira audição. O deleite espalha-se pelo sorriso e a composição espelha o sabor do talento. Uma intro com um riff agudo e algo magnético abre o caminho para um loop constante que nos hipnotiza e nos ecoa na mente “hard to explain, feel like everybody is going insane!”, não estaremos todos meio loucos? Uma subtil transição a soar a funk com “Say Yes” para uns coros divinais que provam uma versatilidade de vozes que criam uma espécie de magia em “Have a Cup of Tea” embalando-nos com toda a elegância e eloquência lírica. “Too Many Husbands” traz a rebeldia de uns riffs que nos rasgam a pele numa espécie de choques eléctricos, balouçando-nos de um lado para o outro em perfeita harmonia com os acordes. A faixa mais curta encontra-se a meio do disco, não é rápida e feroz mas é curta e grossa com um baixo a voltar a ser destaque e actor principal e uns coros a fechar a música da melhor maneira. Um dos melhores ritmos e melodias deste álbum vem na minha segunda faixa preferida. “Last Thing” é uma pequena pérola polida com graxa escura. “Last thing we ever wanted was a war, but we find it much too easy” é o refrão que rapidamente fica em loop na cabeça, levando-nos a cantá-lo vezes sem conta. “Shedileebop” tem na sua essência a capacidade de tornar bom o momento em que parece que uma música vai explodir mas não chega a fazê-lo. Normalmente considero isso algo de negativo, no entanto, este super grupo tem nas suas mentes e mãos um toque sábio de saber moldar as coisas para que fiquem saborosas, ao contrário do que seria previsto. Riffs assanhados e uma percussão trabalhada juntamente com um bom coro, são a base da beleza. De seguida e, talvez estrategicamente pensada, surge “Inauguration Day” com uma inesperada explosão carregada de força e sussurros inquietantes. “Woulda Coulda”, faixa mais longa, encerra o disco com uma tranquilidade e calma estranhas deixando a ânsia de querer mais.
Reproduzir novamente.
Nesta altura de guerra invisível, não querendo, este disco tem a lírica perfeita para servir com o devido sarcasmo a esta população que, na maioria das vezes, não sabe o que faz.
Podem saborear este disco aqui.
Fotografia capa – idioteq.com