Não há lugar a superstições populares quando já todos somos abrangidos pelo sentimento geral de que nada pior pode vir, apesar de poder ser sempre pior. É neste sentimento de quase desânimo que nos sabem ainda melhor os pequenos prazeres da vida que nos têm vindo a ser retirados nesta guerra invisível. Pequenos prazeres que se tornam enormes quando proporcionados por seres que têm na sua essência a genuinidade e talento de força estrondosa capazes tornar qualquer momento numa bolha quente de sentimentos e emoções fortes.
O que aconteceu nesta sexta-feira, 13 de Novembro no Teatro Tivoli BBVA ainda está a ser difícil de processar. Tamanha foi a intensidade que senti o corpo a desfragmentar-se lentamente em pedaços que se espalharam pelo chão deixando a alma despida, imóvel com uma luz que ia ficando mais forte à medida que o tempo passava. O aperto no peito parecia ansiedade e as lágrimas que corriam pareciam um refresco de limpeza. Há uma dualidade de sentimentos que se interliga e se mescla suavemente juntando o belo ao melancólico e o transcendente ao material provando que a intensidade de tão bela que é também pode ser devastadora.
Na conversa que tive com David Santos aquando do lançamento do seu último disco Uma Palavra Começada por N apercebi-me que a apresentação do mesmo não só iria ser muito especial como também algo inesquecível. A verdade é que nesta noite assisti aquele que foi um dos melhores concertos de noiserv que vi até agora (e não foram poucos).
A música que rodava em loop para nos receber é a música que abre o disco, instrumental e com toque acentuado de banda sonora forrada de esperança. Pouco depois das 20h, David senta-se no centro do seu cubo mágico ao redor da sua parafernália de instrumentos e dá início à jornada intensa de música, histórias, enganos e piadas que nos abraçou e aconchegou até sairmos. “Eram 27 Metros de Salto” dá o mote e o cubo mágico de leds rapidamente se sincroniza com os acordes que se formam dentro dele. Nas costas de David imagens que retratavam o momento de várias perspectivas e em modo alternado com 1, 4 ou 6 planos. Piano aconchegante da “VINTE E TRÊS” e o ensinamento que nos ajuda a tornar o tempo o nosso bem mais precioso. De regresso ao disco mais recente, “Por Arrasto”, uma composição que ficou muito bem conseguida em concerto provando que, como já sabemos, é sempre melhor sentir as músicas ao vivo. O registo continua mais à frente com aquela que, para mim, é a letra mais bonita. “Parou” carrega consigo o peso de uma simplicidade magnífica e grandiosamente intensa. É uma música densa, triste e sublime que enaltece a humildade e sensibilidade de David ao deixá-lo em lágrimas enquanto toca a sua música que, mais não é que a sua vida, em todos os sentidos desta frase. Uma música intervalou a minha outra preferida “DEZOITO” e aí um arrepio quente de frio apoderou-se de todo o meu ser e fez-me mergulhar num suspiro infinito que deixa a alma inibida de qualquer representação, seja ela qual for. Quase na recta final ”Neutro” e “Sem Tempo” tendo esta última revelado um vigor e uma força bastante superiores à da escuta em casa. “Don’t Say Hi If You Don’t Have Time For a Nice Goodbye” antecedeu a última música que encerra, também, o disco deixando que a nossa cara continuasse a reflectir as luzes brilhantes do palco.
“Não estar, é perto de ser o que eu não fui”
Um pequeno encore com “Mr. Carousel” sugerida pelo público e escolhida por David.
Uma hora e meia foi o suficiente para entrar no tornado, ser abanada bruscamente e, depois de ter passado, ficar completamente sem chão. noiserv passou subtilmente e de modo genial pelos seus discos, deixando espaço para que tudo se conjugasse em perfeita harmonia e as transições entre inglês e português se acabassem por unir e criar magia.
Não tendo passado muito rápido, deveria ter passado de modo mais lento como deveria ser cada momento de deleite que nos é entregue.