Vivemos tempos que nunca pensámos viver. Não só a propósito desta guerra invisível, mas também na guerra ideológica e política que nos assola. Certo é que sempre existiu, o que não se compreende é que na era em que estamos continue a existir o extremo camuflar de corrupção, corrosão e devaneio a que assistimos. A tecnologia, que muito nos ajuda, também destrói e o ser humano, com tendência a uma evolução história cada vez mais perto da liberdade, não avança e, até, regride. Rebanhos e mais rebanhos. Deixar ir e não fazer. Obediência cega. Desobediência cega. Extremos, em tudo. Apesar de gostar de viver a vida nos extremos (se calhar não gosto, mas é algo que não consigo evitar, devido à tamanha intensidade que traz), há coisas em que o intermédio é aquele onde devíamos repousar por instantes. As montanhas russas trazem-nos adrenalina mas a diferença entre as voltas, os loops e as descidas ferozes da montanha russa e da vida no geral, é que a montanha russa é em bom e podemos sempre escolher ir ou não.
Perguntam vocês de onde vem e para onde vai esta longa introdução. Talvez seja mais um dos meus devaneios enquanto eterna insatisfeita ou, talvez seja aquilo que sinto ao ouvir o novíssimo disco de uns senhores de quem gosto bastante. Falo de Conan Castro and The Moonshine Piñatas e o seu segundo disco Shrimp Waterfall que saiu no passado dia 27 de Novembro. A verdade é que não só gosto deles como adoro camarão e cascatas! Não seria difícil de prever o grande disco que aí viria.
Depois de Cataplana América ter vincado bem a essência destes 5 comparsas do Barreiro, mostrando que o caos enérgico e energizante, a destruição e a folia em ebulição seriam algo que nos prendia de imediato, Shrimp Waterfall mantém essa essência bordando-a de um modo mais requintado, controverso e ainda mais tropical. Não só temos um cocktail de cores, sabores e sonoridades como temos uma mistura tropical intensa, variada, agri doce, quente e fria, brilhante, glamourosa e até brega. A temática retratada é uma aposta vincada em temas como a ilusão, injustiça, opressão, violência, liberdade ou falta dela, falsidade, política, crime, máfia, rebanhos, corrupção, medos. malaguetas e até voodoo. Tudo isto embrulhado em camadas de garage eufórico, punk limado e muita loucura sã. Segundo os Castros, a sua música define-se como “garage-punk-rock maníaco e febril” e, como tal, é impossível resistir a ela. Cheiram-se influências dos finais dos anos 70, inícios de 80 numa linha meio The Scientists, meio The Fuzztones passando por Johnny Thunders e até uns the Kinks sem esquecer os grandes The Cramps ou ainda uma brisa de Stooges entre centenas de bandas garage e punk do antigamente que nos fizeram aquilo que somos hoje. Para além do inglês, entram-nos pelos ouvidos letras em italiano, francês e português do Brasil provando a versatilidade de João Nunes nas vozes para além de provar também o cocktail requintado que já havia descrito.
Comecemos pelas guitarras electrizantes a cheirar a EUA com ritmo acelerado e coberto de groove da “Crimeless Victims”. A voz de João, versátil na sua essência, tanto grita como atenua. Aqui começa a contraposição entre o bom e o mau. “Manitoba War Cry” é o lado B do single editado pela Aldora Britain Records no passado dia 6 de Novembro e traz consigo um baile quente e sensual com um ritmo constante e próprio para um abanar de anca. A música de amor do disco é “Voodoo Love” e começa com uma introdução falada que antecipa um tom mais doce na voz de João e uma melodia envolvente que apela, também, à dança. Tem um refrão viciante que fica a gritar no ouvido depois. O primeiro grande single apresentado saiu em Julho e tem como nome “L’arrampicata”. Carrega um magnetismo intrigante e é cantado em italiano, remetendo por toda à sua envolvência a um episódio qualquer da vida de Toni Soprano. A guitarra e toda a melodia são elegantes e empolgantes.
Passo para o segundo single a ser apresentado que traz com ele um jogo de cordas interessante, harmonioso e muito bem conseguido. Surpreendendo ainda pela explosão repentina e inesperada no refrão em tons algo esquizofrénicos. “Mohawk Valley Formula” não tem só uma referência directa a uma região do norte americano como também mantém o cheiro ao sítio dos sonhos. Descemos ao sul da América para a interpretação de “San Paulo Man” em português do Brasil num clima melódico bastante tropical e com um suave cheiro a funk. Pela ironia usada, poderia ser um hit dos célebres Mamonas Assassinas.
De rompante e de forma imediata aparece rápida e ferozmente aquela que é a faixa mais curta do disco. “SDK” é intensa, rápida e a música mais punk desta cascata sonora. A minha preferida, também. “Nethervanilla” foi o single editado pela editora britânica que referi acima e leva-nos de súbito para uma pista numa matiné algures nos anos 70 com poupas exuberantes, calças à boca de sino e casacos de couro com franjas onde abanamos as ancas e as franjas em harmonia com a melodia. Partimos para outra surpresa do disco com a música “Monsieur” cantada em francês e de modo sensual e calmo que antecede a vigorosa “How To Break Into a Fight”. Uma faixa forte, em tom de intervenção expressada de forma rápida e intensa com riffs assanhados e uma gigante vontade de explodir. Por fim, chega a faixa que dá nome ao disco e a mais longa, também. Em jeito de encerramento, é uma música calma e com alguma melancolia. Algo em jeito de acalmar o coração já tão acelerado de pura adrenalina da montanha russa onde andámos. Ondas do mar e gaivotas dividem a música em duas partes introduzindo a parte que cheira a uma Califórnia ensolarada terminando, novamente, com um abraço do mar que nos deixa uns camarões nos braços. Respiramos fundo e vemos o pôr do sol.
Depois de ser embrulhada nesta cascata melódica que me fez andar numa espécie de montanha russa intensa, só anseio o dia de poder comer uma açorda de camarão com os olhos e ouvidos em formato real nestes Castros! Até lá, resta fazer play aqui.