Por vezes as nossas reacções estão directamente ligadas com aquilo que queremos ou não absorver e conservar. O modo como lidamos com o que o mundo nos oferece é um reflexo do que queremos ser. Podemos fazer isso com trabalho interior e só nosso, como podemos receber inputs de várias formas. O input que quero falar neste artigo é aquele que nos é dado por aquele que é dos melhores meios de comunicação, a música.
Há uma pessoa que junta a sua maneira de ser cheia de luminosidade àquilo que mais gosta de fazer e, como resultado, oferece-nos disco após disco energias suficientes que nos colocam, em primeiro, um sorriso nos lábios e, em segundo, uma grande esperança no peito.
Enlightened Fool é o terceiro disco de We Bless This Mess. Foi gravado na Califórnia e, pelo infortúnio que todos conhecemos e vivemos, não pôde ser lançado e apresentado na altura que lhe correspondia.
Assim, no primeiro dia deste 2021 foi lançado este que é um dos discos mais bonitos e fortes de We Bless This Mess (WBTM).
No seguimento da linha indie punk, punk rock e folk rock, Nelson e Bernardo quiseram introduzir elementos nunca antes usados como órgão, mellotron e ukelele. Estes novos elementos vieram completar o círculo de luz que acompanha este disco. Estamos perante uma ode à vida numa celebração constante que se divide em 10 faixas. “Before You Play This Record, Listen To This” é a forma como começa este disco com uma mensagem de agradecimento e esperança acompanhada de uns acordes suaves e belos. “Good That You’re Letting It Go” cheira a sol californiano com o mellotron a dar um toque ainda mais brilhante enquanto que “Still Water” vem com uma guitarra mais indie e coberta de sonhos e coros. O ritmo aumenta com “Messy Hair: Red Lipstick” e “Happy Monsters In My Closet” cobertas de punk rock que explode depois em “Almost Straight Edge”. À medida que se aproxima do fim, o disco vai transmitindo mais tranquilidade e calmaria, conseguindo o melhor aconchego possível.
Foi a propósito do lançamento deste disco e de todo o processo que o originou que o Música em DX esteve à conversa com Nelson Graf Reis para perceber e conhecer melhor toda a experiência.
Música em DX (MDX) – Começaste o projecto em 2014… Em cerca de 7 anos, o que achas que mudou em ti e na tua música?
Nelson – Uma coisa que efectivamente mudou foi o estilo a nível sonoro. No início era algo acústico, eu tocava a solo apesar de gravar com mais coisas em estúdio. À medida que este projecto foi evoluindo eu depois comecei a ter saudades das minhas rotas do punk, do punk rock e então quis tocar novamente com banda as minhas canções e comecei a adaptar. Isto foi uma das coisas que mudou. A mensagem acho que não mudou muito, de certa forma até se intensificou porque, se calhar, foi sempre essa a vibe que eu quis transmitir com a banda e por isso o facto de os anos passarem faz com que eu intensifique a mensagem. Era importante há 7 anos atrás e é importante agora o que eu vou escrevendo acerca de apreciar o momento presente e que, apesar das circunstâncias, há que ver que estamos vivos, a respirar e temos de nos sentir agradecidos, mesmo quando na nossa mente é muito difícil atingir isso. Nós temos sempre uma espécie de sentimento mais forte dentro de nós que nos permite sentir agradecidos mesmo com más experiências e é fundamentalmente essa mensagem que eu tento sempre passar.
Obviamente em 7 anos as coisas mudam. No início, se calhar, tocava mais em Portugal e aqueles primeiros anos foram muito importantes e, depois, de repente comecei a dar 1, 2, 3, 4, 10, 20, 30, 100 concertos lá fora, mudei de país, vivo agora no Reino Unido, já fui 4 vezes aos EUA tocar, tours europeias, Brasil. Está a ser algo muito bom.
MDX – Achas que se estivesses em Portugal conseguias chegar a tantos sítios internacionalmente?
Nelson – Eu acho que a minha saída a nível internacional não é muito derivada do sítio onde estou mas sim das ferramentas que eu tenho ao meu dispor. Hoje em dia, não interessa se estás em Portugal ou RU ou Espanha, se queres entrar num certo território consegues pelo menos fazer um trabalho de pesquisa na internet. Acho que isso é muito importante, principalmente nos tempos em que vivemos. Não sei se isso responde a pergunta, mas o que eu senti, acima de estar a viver aqui ou ali, foi o facto de ter as ferramentas e usá-las. No fundo, nestes últimos 7 anos de We Bless This Mess eu não parei, estive sempre em tour, sempre a tocar porque também investi bastante tempo, energia, dinheiro neste projecto porque sempre acreditei muito no que faço.
MDX – Voltando àquilo que estavas a falar sobre a tua maneira de ser e ver as coisas e da mensagem que queres transmitir… Eu não te conheço antes de WBTM e sempre tive curiosidade em perceber se sempre foste assim ou se houve algum momento na tua vida que te tenha feito mudar e começar a ver as coisas assim. De onde vêm estas boas energias que tanto nos contagiam?
Nelson – É uma revolução que acontece dentro de nós. Eu vou ser sempre eu. Eu nasci desta forma e sempre senti grande amor pela vida. Sempre gostei muito de ter oportunidade de estar aqui mas houve, também, um momento na minha vida mais complicado… Tinha 18 ou 19 anos e não tinha a cabeça num estado muito bom e isso foi-se agravando por uns anos e estava muito farto de estar sempre chateado ou triste constantemente. Uma depressão é chato porque não parece uma depressão, mas é. Nessa altura conheci 2 pessoas que me ajudaram muito e lembro-me perfeitamente que houve uma noite em que me estava a sentir muito mal e já não havia justificação e desse sentimento veio a ideia de “se já nem consigo encontrar o porquê, porque é que me sinto assim?”, já estava farto, só queria sentir-me bem. Isto foi o impulso há uns 7 ou 8 anos atrás, depois a partir daí foi prática diária. Há uma responsabilidade diária infinitas vezes maior porque estás acordado, isso vai ter de ser a tua vida, não há volta atrás. Qual é a escolha? Voltar a um estado onde eu me sinto mal comigo? Por isso é que é uma prática diária, por isso é que a minha prioridade é ter paz comigo mesmo. É a partir daqui que consegues alcançar o resto. Imagina eu tocar um concerto mal da minha cabeça, imagina a hipocrisia que era eu estar a bater mal e a tocar ao mesmo tempo… para fazer arte, para mim, tens de estar naquele estado zen porque se não não sai nada. Voltando um pouco à pergunta, 7 anos de prática quase diária deste tipo de exercícios, desde meditação a exercícios de respiração, a afirmação, implementação de novos hábitos, exercício, a lista é muito grande. Imagina quando desejamos ser tão felizes como quando tínhamos 5 anos… eu consigo sentir isso. Há maneiras de o sentir… Gratidão por exemplo, perdão. Muitas vezes parece que ao perdoares pessoas ou até a ti mesmo que és fraco mas, às vezes, pode ser uma libertação. Há várias coisas que podemos usar para praticar, temos de ser mais responsáveis por nós mesmos e temos de ser a melhor versão de nós mesmos todos os dias. Mais que nunca devemos partilhar este tipo de mensagens pois somos todos seres humanos a tentar viver a nossa vida e descobrir o que estamos a fazer aqui.
MDX – O teu disco começa com uma mensagem muito bonita, de esperança. Deixou-me logo a sorrir e acredito que às outras pessoas também. Tens consciência do quão influências as pessoas?
Nelson – A única maneira de eu ter essa consciência é ter ouvido a mensagem quando ouvi o álbum na primeira vez e ter sentido. Tento abstrair-me de que sou eu que estou a dizer aquilo, que é só uma mensagem que está disponível para toda a gente e até mesmo para mim. A única maneira de eu ter consciência que as pessoas sentem é eu próprio ouvir e sentir. É uma pergunta um pouco difícil, obviamente que aquilo foi feito com um propósito, não gravei aquilo do nada. Não sabia se ia bater ou não até a ouvir mas quando quis meter aquela introdução, o propósito era pôr as pessoas com uma mente e coração abertos para receber porque é só isso… nas experiências às vezes tens de dar e receber, não é só dar. Agora mais que nunca é muito importante que as pessoas tenham noção da capacidade que têm dentro de si, do talento, da inteligência, porque as pessoas têm isso dentro delas muitas até acreditam que são estúpidas, mas são inteligentes, só não se vêem assim. A auto sabotagem é uma coisa que as pessoas fazem muito e eu acredito que todas as pessoas têm capacidade para serem algo. Por isso é que faço a escolha consciente perdoar porque acima de tudo somos todos humanos.
MDX – Fui fazer uma pesquisa do que significava o nome do teu disco, Enlightened Fool, e apareceu-me uma espécie de joker de cartas de tarot. Não sei se era esta a tua ideia… Mas gostava que me explicasses um pouco o título.
Nelson – Há uma carta de tarot que é The Fool e nós até fizemos uma espécie de mashup com ela e um cristal e é uma das t-shirts de merch, não sabia do resto. Mas o facto de ser uma espécie de “bobo da corte” é no fundo, como diz o Fernando Pessoa, em Alberto Caeiro, “na inocência é que está a sabedoria” e quando eu digo sabedoria digo paz e felicidade. A história do bobo da corte é engraçada porque a corte inteira normalmente está stressada com guerras e afins e o bobo da corte é o único que consegue transmitir um pouco de felicidade àquelas pobres almas que estão ali. Foi bom referires isso porque não era isso, mas é engraçado.
MDX – Qual foi a primeira coisa que te veio à cabeça quando o Travis vos deu a ideia dos Estados Unidos?
Nelson – Eu respondi-lhe que ia ser altamente.. que não sabia como é que íamos fazer mas que gostava muito e ia tentar. Viajar para a Califórnia para gravar e para tocar era um sonho que eu e o Bernardo sempre tivemos. Foi sempre aquele sonho de adolescente e quando alguém te faz essa oferta ficas meio atordoado. Falei com Bernardo e fomos ver a quanto estavam os bilhetes para lá e estavam a 300 libras para cada um… olhamos um para o outro, ainda tínhamos um pouco de dinheiro da última tour e comprámos.. porque se fizéssemos aquilo tínhamos de ir. Comprámos as viagens e depois fizemos o crowdfunding para ajudar a pagar o produtor e a partir daí foi uma coisa maluca, foi um trabalho bastante hardcore mas foi uma história muito engraçada. O crowdfunding correu bem mas com isto tudo foi uma dor de cabeça… porque o nosso plano era: crowdfunding, gravar, fazer uma tour ou outra para fazer dinheiro para o vinil (porque o vinil é caro) e lançar o disco em Abril/Maio. Isso não aconteceu nem o vinil… depois houve que explicar a cento e tal pessoas. Claro que as pessoas compreenderam mas eu sinto-me mal, apesar de termos acabado por dar a volta. Foi um processo muito longo este disco mas, voltando ao mote, o convite do Travis, eu fico mesmo grato da minha cabeça ter dito vai! porque foi uma surpresa que mudou a nossa vida.
MDX – Fala-me um bocadinho dessa experiência na Califórnia. É mesmo a terra dos sonhos?
Nelson – Yah! Na minha opinião e acho que, também, na opinião do Bernardo, foi estar a viver um mês num sonho onde nem acreditas onde estás nem o que estás a fazer ali. Foram 10h por dia num estúdio, tocar em 4 sítios, passear… foi uma experiência altamente. Trabalhámos muito nos dias em que estivemos no estúdio, eram 10/12h por dia e foi uma experiência muito boa. Quando estávamos a voltar, os nossos amigos com quem ficámos levaram-nos a uma praia e vimos aquele tipo de pôr do sol mesmo à filme, à Califórnia. Foi a última imagem com a qual ficámos e foi brutal.
MDX – E como é que foi essa mini tour que fizeram lá? Receberam-vos bem?
Nelson – Acho que o meu concerto favorito foi em Berkeley, na Gilman que foi o último que demos, já fora da tour. Teve um sabor especial porque era a Gilman, que foi o sítio que viu Green Day crescer e tudo o que era punk straight edge, hardcore. As pessoas receberam-nos mesmo bem, o concerto correu bem. Lembro-me que a venue era perto de uma livraria feminista e tinha assim uma aura muito pacífica, acho que foi a cidade mais pacífica que visitei. Seattle também foi muito bom. Ahh!! A Voodoo Doughnut, em Portland, tem os melhores donuts que eu comi na minha vida. Quem diz que a comida nos Estados Unidos é má não sei o que anda a comer porque a comida é mesmo boa!
MDX – Regressaram mais fortes e maduros, não?
Nelson – Eu acho que sim porque uma experiência daquelas tem de fazer isso. Ter acabado um ciclo de tours e experiências num álbum como o Enlightened Fool foi algo mesmo bom. Claro que nos muda porque pensamos que com um álbum destes e tudo o que fizemos, o que é que poderemos fazer a seguir, qual é o próximo passo, o que é que pode superar isto. Neste momento estamos a trabalhar em vários pequenos projectos que vamos começar a partilhar em breve que não estão relacionados com tocar mas que complementam o facto de não podermos estar com as pessoas em concertos. Serão diferentes actividades que podem pôr as pessoas a fazer coisas umas com as outras nestas alturas em que as pessoas têm um bocadinho mais de tempo, algumas pessoas pelo menos. Se WBTM lançar um quarto disco tem de ser igual ou melhor que este e agora isso vai ser uma grande dor de cabeça! Eu preparei um home studio e já estou a experimentar uma espécie de continuação. Estou a tentar pegar naquele aspecto mais experimental do disco e desenvolver mais esse tipo de sonoridade que fica ali quase no post punk comercial e alegre. Quero, num próximo álbum, tentar encontrar aquele equilíbrio entre o pesado e o leve. Eu gosto deste, mas acho que é bom fazer um bocado de tudo.
MDX – Esta pandemia atrasou-te o lançamento, a tour de lançamento e quase tudo… Tens alguma expectativa de tocar este ano?
Nelson – Não. Nenhuma. Pelo menos no nosso circuito de Do It Yourself (DIY), de punk, nas coisas mais independentes é ainda mais difícil. Não estou a ser negativo, é só porque não me quero chatear, porque sou eu e o Bernardo que marcamos os concertos e imagina estarmos (já aconteceu no ano passado) a fazer reagendamentos e estar sempre à espera sem certezas. Então decidimos que este ano não tocamos. Para os artistas ainda há um aspecto positivo que é a possibilidade de alterar a maneira como se expõe em público e como interagem. Nesta altura é importante estarmos ligados à comunidade e fazer coisas com as pessoas que gostam da nossa música porque é por isso que as pessoas nos seguem e vão aos concertos. Não é por não estares a tocar que deixas de existir! Não podemos tocar agora mas vou focar-me em estar a promover o disco. Entre promover o disco e estar a marcar concertos e depois reagendar novamente, prefiro promover. Estou só a ser racional e realista e quero apenas tentar fazer a minha vida na mesma e tentar não dar em maluco nestas alturas, porque isto não é nada bom para a cabeça das pessoas.
MDX – No ano passado fizeste uma série de talks/lives no Instagram. Foi um pouco para tentar combater essa falta de contacto com as pessoas?
Nelson – Sim, foi um pouco isso. Eu estava sempre em tour, sempre de um lado para o outro e o meu ritmo era esse. Obviamente que foi bom aprender a estar em casa outra vez, aprender a estar no mesmo sítio há quase um ano, que já não acontece há muito tempo. Esses lives foram uma maneira de estar em contacto com pessoas com quem toquei, fiz tour ou simplesmente admiro e até pessoas da minha família. Eu quis mostrar a parte da comunidade, a parte em que não interessa onde estás na vida e o que alcançaste, mas sim mostrar as pessoas. Cada pessoa tem alguma coisa para passar e tentava sempre fazer formatos de conversa onde explorava certas qualidades das pessoas, foi uma experiência boa para mim porque é bom ouvir pessoas a falarem do que gostam. É mesmo bom dar oportunidade às pessoas de falarem e elas saberem que estão a ser ouvidas, pelo menos para mim. Eu aprendi qualquer coisa todos os dias sempre que fazia as lives. Acho que fiz 37 episódios, 33 estão no youtube porque nos últimos comecei a tatuar e depois esqueci-me. Isto é uma das coisas que se calhar vamos retomar, não nesse formato de 5 convidados por semana que é muito hardcore mas faço 1 por semana ou algo parecido e tudo mais bem pensado.
MDX – Podes especificar um pouco em que vai consistir a promoção que vais fazer agora durante 2021?
Nelson – Lançámos agora um clip para a “Solitude”, vamos lançar mais mais uns videoclipes. Como estou com tempo em casa vou fazer mais esse tipo de coisas: vídeos para lançar singles, trabalhar mais a parte audiovisual que antes não era tão trabalhada. Espero ter boas notícias em relação ao vinil em breve, também.
MDX – Agora algo relacionado com o Reino Unido. Como é que vês o estado da música com o Brexit? Falo a nível de tours, dentro e fora com bandas de dentro e de fora.
Nelson – Em duas palavras: Uma merda! Literalmente. Para mim, se calhar, ir para a Europa nem tanto porque, sendo português, sou cidadão europeu mas imagina os membros da minha banda que são ingleses ou as bandas todas que querem vir tocar aqui… é o problema dos vistos como nos EUA e é ridículo! Há bandas que têm de pagar entre 2000€ a 3000€ por pessoa para fazer tour quando ganhas uns 100 dólares por concerto. Se for igual aqui, não vai ser nada fácil, tens no caldeirão duas poções poderosas para acabar com a música. O governo francês já disse que, músicos ingleses que queiram fazer tours de 90 dias lá, não precisam de visto.. pode ser que a união europeia tenha pena dos músicos daqui. Eu não sei como vai funcionar com as bandas que vêm para cá, se a indústria musical e a música ao vivo começar novamente a acontecer, talvez os países vão pôr primeiro as bandas do país a tocar, não?
MDX – Como é que estão a funcionar na Inglaterra os apoios aos artistas?
Nelson – Há aqui uma coisa que é a Music Union e eles têm alguns tipos de apoios mas funciona para artistas com números grandes… a malta do DIY não tem nada.. para nós é algo do género: queres ser músico? arranja um segundo trabalho! É um bocado por aí… Há pessoas que têm 4 ou 5 projectos porque é a única maneira que têm de sobreviver.
Podem sorrir e sentir as boas energias deste disco aqui.