Não é difícil perceber que tudo na nossa vida cai no círculo do eterno retorno, sejam modas, ideologias, sonoridades, pensamentos, sejam muitas outras coisas. Há círculos aos quais tenho prazer em dar a volta e, um deles, é definitivamente o da música.
Neste texto e com esta banda sonora, não só eu como vocês, vamos fazer uma viagem pela roda do eterno retorno e pousar naquele que, para mim, foi um tempo áureo da música em Portugal.
Ainda que vos traga algo com bastantes sintetizadores, a sonoridade coloca-nos imediatamente numa das noites loucas de Rock Rendez Vous que tanto gostaria de ter vivido.
O nome Conferência Inferno pode indicar algum caos quente. Creio que é possível que isso seja identificado e absorvido na música que tocam. Ainda que exista alguma dicotomia entre o frio e o quente, este último é o que prevalece quando chegamos ao fim da experiência sonora.
Esta conferência é feita por um trio do Porto composto por Francisco Lima na voz, Raul Mendiratta nos sintetizadores sequenciados e José Silva nas teclas. Apresentaram o primeiro EP – Bazar Esotérico – em 2019 tendo sido lançado em formato físico no ano seguinte. Têm um gosto especial pelo revivalismo dos anos 80 e pela música como forma de transmissão de mensagens e pensamentos. A música que fazem é uma linha com curvas que entre a dark wave, o post punk, a new wave, o synth pop e o pop rock. A voz, meio cantada, meio falada, grossa e de timbre tal Rui Pregal da Cunha entoa, em português e com mestria, letras com temáticas de revolta, aspiracionais e de confrontos pessoais e sociais. Tudo junto produz a combinação perfeita para um belo cocktail de música à belos anos 80 deste nosso país.
Ata Saturna veste-se de uma electrónica, com travo a disco, algo sombria, encorpada e, como tal, bastante sólida. Divide-se em 8 faixas que, ainda que mais digitais que orgânicas, nos fazem cerrar os olhos e sentir no corpo a força de várias bandas numa só. “Sina” abre o disco deixando-nos, de forma imediata, de lábio mordido e vontade de dançar. Não de dançar numa pista de dança, mas sim numa matiné ou baile na garagem de alguém. De forma espontânea e clara imaginamos os três rapazes com grandes poupas, magros, de calças skinny e com a cruz da ordem de cristo como pano de fundo, tal Heróis do Mar aos quais bebem entusiasticamente deste néctar que tantas almas alimenta, a música. “Amanhã” carrega uma escuridão densa e pesada, com uns tons mais graves e inquietantes e, acima de tudo, com muita intensidade. Já “Radiação” começa com uma espécie de onda radioactiva que nos vai levar por uma viagem espacial e opaca. “Não quero” estende-se a uma sonoridade intrigante e algo magnética com um leve cheiro a suspense. Uma ode à aversão a alguns fantasmas em forma de pessoa tanto na poesia escrita como na musical. “Diabo” vem atenuar o sentimento de peito apertado e a “Encore” devolve-nos o Espaço. Já na recta final, aparece “Ausente”, o primeiro single que revelaram, com uma sonoridade mais densa e apetecível, transformando-se num excelente cartão de visita desta fortaleza sonora. Por fim, vem o “Sol”, que ainda que não nos ilumine na sua plenitude, traz consigo a intriga, um pouco de esperança e desapego.
Que em breve possamos todos participar desta conferência! Para já podemos senti-la aqui.