Backstage

Sem chão, mas com música e amigos!

Vivemos uma fase que nunca pensámos sequer passar perto dela. Com todas as consequências que advém desta guerra invisível, a cultura foi dos sectores que mais consequências negativas sofreu. Casas fechadas que continuam fechadas, bandas paradas, técnicos parados, sonhos desfragmentados e desfeitos e aquela revolta pela falta de cuidado de um governo de um governo que só chega a algumas pessoas. Ficando de lado, uma quantidade enorme de vidas, profissões e espaços. 

Não precisamos de conhecer o espaço para saber que o Barracuda – Clube de Roque e o Woodstock 69 Rock Bar são dois espaços emblemáticos do circuito de música alternativa do Porto. Espaços que já deram palco a centenas de bandas emergentes, não emergentes, portuguesas e estrangeiras e dos quais necessitamos para que ainda se mantenha alguma dignidade nesta indústria da música tão negligenciada. Aqui há tempos disseram-me que uma verdadeira banda começa nos clubes, não começa nos auditórios! No fundo, é a mais pura da verdade e continuo a não perceber o porquê de os clubes não terem ninguém a cuidar deles. 

Felizmente, é nas fases piores que percebemos quem temos ao nosso lado e as ajudas têm surgido desde Março do ano passado.  A mais recente está acessível a todos e, não só é um bem elementar da nossa coleção de discos, como é uma ajuda a estas duas casas que, de repente, ficaram sem chão, tal como tantas outras. 

O músico e produtor Andrés Malta e Alberto Cardoso decidiram gravar uma colectânea em que 100% dos lucros revertem para estas duas salas. A escolha das bandas ficou a cargo de Toni (Woodstock 69 Rock Bar) e Rodas (Barracuda – Clube de Roque). 

Foi este o mote para termos uma conversa com Toni e Rodas acerca deste disco, desta pandemia e de tudo o que nos envolve no momento.

Música em DX (MDX) – Como é que têm sobrevivido a esta pandemia? Não só como proprietários de espaços nocturnos que estão fechados há mais de um ano, mas também enquanto amantes de música. 

Rodas – Nesta altura do campeonato já estamos resignados. Já aprendemos a lidar com a situação, mas como é que lidamos? com a ajuda de toda a gente, mesmo toda a gente que apoiou tanto o Barracuda como o Woodstock e mais bares e é por aí. No caso do Barracuda, comecei e continuo a fazer merchandising, que deu para ir buscar uns trocos, porque do estado, só este ano é que tive direito a um apoio. 

Toni – A mim o estado deu 200 e poucos euros durante 6 meses depois parou e agora penso que regressou novamente o apoio mas não sei porque às vezes vem e outras não vem ou seja, o ideal é não contar com o estado. 

MDX – Pagam renda ou tiveram alguma facilidade por parte dos senhorios, como é que isso está? 

Toni – Não estou a pagar. 

Rodas – Eu também não. Se estivesse a pagar renda, o espaço do Barracuda já não existia. Ambos os senhorios foram impecáveis, este tempo todo a pagar rendas, era impossível. 

Toni – Na verdade os senhorios também pensaram que mais valia ficarmos a dever dinheiro do que irmos embora, até porque não há ninguém a alugar espaços destes agora.

MDX – Sim e acredito que quando isto voltar ao normal que vai haver pessoas que vão pensar muito antes de abrirem espaços com programação cultural.

Toni – Novos espaços acho que vai ser muito difícil. Se os que já existem vai ser difícil, os novos estão condenados logo à nascença, infelizmente. 

Rodas – Também temos de ver que vivemos num estado falido, por isso não dá para contar muito com o estado. Eu nunca contei e faço isto há 25 anos e é a primeira vez que tenho um apoio destes, foi preciso uma pandemia mundial. Por isso nunca estou à espera do estado para nada, só para levar com o martelo. 

MDX – Este disco Sem Chão é como se fosse algo que vai completar o vosso chão, que deixaram de ter de repente. A ideia não partiu de vocês e queria saber como é que a receberam. 

Rodas – Eu fiquei admirado tal como com os apoios todos que tivémos porque, na verdade, não estava à espera e gostei bastante da ideia. Sempre era mais um motivo para poder sair de casa e ver gente, nem que fosse meia dúzia de pessoas. Foi um processo engraçado. A ideia foi boa e está a correr bem.

MDX – Têm noção de como se estão a vender os discos?

Rodas – Acho que já foram uns 150. A tiragem é de 525.

MDX – Dizias há pouco que era uma maneira de sair de casa e fazer um pouco aquilo que vocês gostam. Queria saber como está a ser o vosso dia-a-dia sem ir para o bar, tratar da produção dos concertos, preparar toda a logística…  

Rodas – No meu dia-a-dia só falta mesmo essa parte da produção e ir à noite para o bar, mas tenho-me entretido bastante. Tenho 2 filhos e isso ocupa muito espaço. Com o merchandising também tenho tido algum trabalho e o Toni também deve estar, mais ou menos, na mesma situação.

Toni – Sim, tenho de levar o puto à escola, tenho de o ir buscar. A vida familiar normal e à noite estou aberto mas só para matar o vício, abro 2 ou 3 horas por noite. Sinceramente, se for a fazer contas, estou a ter prejuízo mas é só o bicho de meter a chave, ligar o PA, ouvir música e estar ali com os amigos a beber uns copos, só para cortar a monotonia.

MDX – E tu Rodas, não estás a pensar abrir? 

Rodas – Eu abro quando me deixarem abrir no formato normal. Tenho 50m2, se meto lá mesas e cadeiras não dá, não cabe mais nada. Só mesmo quando isto melhorar. 

MDX – A nível da indústria da música, como é que olham para ela no antes e no pós pandemia? 

Toni – Eu acho que está estagnada.

Rodas – Eu acredito que quando isto abrir haja um boom. 

Toni – Há muitas bandas a fazer coisas novas e até bandas a formarem-se e a trabalhar. Mas em termos de perspectivas para a frente, acho que não há muitas de começar a tocar.

Rodas – A cena mais estranha disto é que ninguém sabe como é que vai ser amanhã. No ano passado em Setembro ou Outubro fiz dois concertos com cadeiras tipo cinema mas não é a mesma coisa e não compensa ao bar fazer esse tipo de eventos. O bar não funciona, o pessoal não se levanta para ir beber. Vêem o concerto, não consomem quase nada e depois acaba o concerto e vão embora. Eu fiz isso 2 vezes, tive imenso trabalho e depois não compensou nada a nível monetário. Não vale a pena estar a fazer coisas neste registo.
Vai haver sempre desigualdade. Eu acho que a sorte das bandas pequenas é que não são músicos profissionais na medida em que têm outras profissões. A música não é para ganhar dinheiro, é diversão. Acho que isso nunca há-de acabar e no Porto temos um grande exemplo que é o Centro Comercial Stop com bandas em todo o lado, neste momento, a ensaiar de manhã, de tarde, à noite e isso não pára. Esse circuito das bandas chamadas pequenas que, para mim, não são pequenas porque são bandas que vão desde os 14 aos 70 anos. Ou seja, isto não é um circuito para quem começa, é um circuito para todos. Acho que as bandas grandes têm tendência a acabar por isso é que são sempre as mesmas… em acabando acabou. 

MDX – Voltando ao disco, gostava de saber se foi difícil para vocês escolher os músicos/bandas. 

Rodas – Foi difícil a escolha. Por nós, tinha de ter mais bandas, claro. Tinha de ser um quádruplo. Havia muita banda. Porque é que foram estes? não faço a mínima ideia. Foram os escolhidos e aceitaram logo.

Toni – No meu caso foi mais fácil porque me dou bem com eles todos, são muito próximos e quase convivemos diariamente. São bandas que eu gosto e aceitaram logo. Como eram 4 bandas era mais fácil. É sempre mais fácil escolher 4 bandas que escolher 7 ou 8 e foi devido a isso, à proximidade. No meu caso foi fácil escolher. 

MDX – Foram vocês que falaram directamente com as bandas então? 

Rodas – A única coisa que fizemos foi contactar as bandas, combinar os dias para a gravação e abrir a porta. Depois recebemos os discos. 

MDX – As vossas casas têm uma identidade muito próxima e é muito bom ver-vos juntos e a lutarem pela mesma causa, sem qualquer rivalidade. 

Toni – Não se vê em muito lado isto. Antes dos bares existe uma relação de amizade. Eu vou ao Barracuda e o Rodas vem ao Woodstock. Pode ser que sirva de lição para toda a gente. 

Rodas – O Sérgio do Ferro também é nosso amigo. Aliás eu trabalhei com ele no Armazém do Chá. Eu vou lá e ele também vai ao Barracuda e ao Woodstock.
Não há grandes rivalidades de casas aqui, tirando um ou dois borraditos, mas a maior parte damo-nos todos bem.
O Ferro, o Barracuda e o Woodstock são 3 casas que se dão bem porque existe uma relação de amizade entre os donos. Há dois anos fizemos um evento das 3 casas juntas. Foi no Barracuda, o Woodstock ocupou uma casa que está ao lado do Barracuda e o Ferro que é na mesma rua. Então foi algo tipo festival. Acabava uma banda numa casa e começava outra noutra casa. 

Toni – Foi no último Domingo antes do natal. O segundo ia ser no dia de páscoa, mas depois entrou a pandemia e pronto. 

MDX – Aconteceu a algum de vocês ter escolhido a mesma banda para o disco? 

Toni – No disco aconteceu uma coisa engraçada que foi o Bom, Mau e o Azevedo era para estar do lado do Barracuda mas passou para o lado do Woodstock porque se enquadrava melhor naquele lado e não houve nenhum entrave nisso, os Redemptus passaram para o Barracuda. 

MDX – E estão a pensar fazer um mini festival com estas bandas? Quando for possível. 

Rodas – É a segunda vez que nos perguntam isso! Eu acho que para fazer isso tinha de ser nas próprias casas. Tem de abrir isto. 

Toni – Ia ser demorado, já viste a quantidade de material de uns para os outros!

Rodas – Pode ser que dê para fazer depois. Era bom fazer já para o ano, mas vamos ver. 

MDX – Já falamos um pouco disso, mas gostava de saber o que é que vocês acham que o estado poderia ou deveria fazer em relação a casas como a vossa e para apoiar este mundo mais escondido que eles mal conhecem.

Rodas – Para eles o drink às 5 da tarde e as galerias de arte é que é a cultura, infelizmente.
Foi o que já disse à pouco, em relação ao estado nunca esperei grande coisa, nunca precisei do estado para nada, nunca contei com o estado para nada e já estava à espera que fosse assim. Mas o que é que eles deviam fazer? Deviam dar o mínimo de dinheiro para podermos subsistir. Eu tenho dois filhos e tenho de os alimentar, levar à escola, etc. 

Toni – Eles prometeram tudo e mais alguma coisa mas, na prática, isso não existiu. Fechado há 1 ano e recebi 216€ durante 6 meses. 

Rodas – Sempre foi assim e há-de ser sempre assim. Acho que aqui ninguém está a contar com o estado. Depois as câmaras também é o que é e todos são portugueses de primeira. 

Toni – A Câmara do Porto foi a que poupou mais na pandemia, ou seja foi a que menos deu dinheiro e apoio, a que fez menos coisas pela cidade. Nós é que temos de arranjar alternativas, no fundo. Nós lutamos para não ter prejuízo. 

“Sem chão” é um disco em formato vinil que conta com o talento de Manel Cruz, Dokuga, Redemptus, 10000 Russos, Greengo, Killimanjaro, The Black Wizards e O Bom, o Mau e o Azevedo.
As gravações de “Sem chão” decorreram durante a pandemia e tiveram lugar nos respectivos bares à porta fechada. A gravação, mistura e masterização ficaram a cargo de
Andrés Malta, à excepção da captura do tema de Greengo que foi feita por Miguel Azevedo. As misturas/masterização foram feitas no Estúdio Eléctrico no Porto e a produção executiva teve a colaboração de Alberto Cardoso. A produção do vinil contou com o apoio da Chaputa Records.

Ilustração capa lado Barracuda Clube de Roque: Rui Ricardo
Ilustração capa lado Woodstock 69 Rock bar: Joana Brito

Ajudemos todos a manter estas casas que tanto fazem pela música na região do norte. Podem encontrar o disco “Sem Chão” em Lisboa na Louie Louie e no Porto na Louie Louie, Bunker Store, Muzak, Porto Calling, Scrape Needle e na internet está na Chaputa Records e nas páginas do Barracuda e do Woodstock.