Em tempos onde a privação reina e a sede pela energia da música ao vivo é gigante, já considero um luxo poderem existir novamente concertos, ainda que com lugares sentados. Moullinex é uma das minhas paixões na música portuguesa e poder sentir este disco tão denso, forte e com tanto a dizer trazia um misto de acre com doce. O sentir não o seria na sua plenitude pois as amarras do covid à cadeira impediam o corpo de se entregar a estas ondas sonoras que nos aquecem e alimentam. No entanto, a tolerância e responsabilidade reinaram, as lágrimas caíram e o corpo dançou no passado dia 5 de Junho na Culturgest.
A empatia não é algo que se possa forçar ou forjar. Ela existe de modo imediato por conexão. Poderá vir de energias ou até um simples sorriso ou olhar. Na música funciona de maneira semelhante e este disco que esteve a aguardar a luz do dia cerca de um ano, foi construído com o desejo de analisar a empatia de diversos músicos entre eles e com a música. Requiem For Empathy foi dissecado na íntegra nesta noite e provou que a empatia existiu naturalmente e nos guiou a um lugar mágico e de perfeita comunhão.
Luís Clara Gomes, Guilherme Salgueiro, Guilherme Ribeiro e Diogo Sousa conduziram-nos a um sonho intenso e cheio de luz. No meio de sintetizadores, bateria, caixas de ritmo, pipe e uma projecção que se foi esfumando e ganhando formas, a primeira música foi a “Coral” que acompanhou a imensidão e densidade da imagem que surgia por detrás e abriu as hostes à viciante “Running In The Dark” já com Diogo na bateria e os corações a bater a um ritmo acelerado. Faltava pouco para meia plateia do grande auditório da Culturgest estar de pé e a tentar saborear o que nos têm retirado neste último ano. “Kelvin Wake Pattern” levantou mais umas quantas pessoas e antecedeu a belíssima “Dream On” fazendo com que, por momentos e de olhos fechados, tivéssemos perdido a noção do espaço e sonhar sem ter os pés nos chão. Um par de músicas depois e a magia chega com os convidados deste Requiem For Empathy. O primeiro a pisar o palco é Afonso Cabral (You Can’t Win, Charlie Brown) e com ele a força e sentimento com que canta “Hey Bo” deixando-nos despidos e a tremer. Sara Tavares e Ekstra Bonus têm entre elas a música que dá nome ao disco e uma tela onde espalham empatia e se aproximam de nós, ainda que estejam longe. Selma Uamusse brilha com a sua “Ngoma Nwana” e faz levantar quem ainda não o tinha feito, contagiando tudo ao seu redor com a energia que carrega e transmite.
Já quase a chegar ao fim, um regresso ao “Hypersex” com a primeira música que Luís compôs com GPU Panic ou Guilherme Ribeiro com quem partilha “Inner Child”, “Running In The Dark”, “BREAK/OUT/BREAK”, “Luz” e “Swim”. Todas saboreadas em forma de sonho feliz nesta noite quente de sábado.
O encore não se faz de forma habitual pois o tempo urge e todos os momentos são indispensáveis para sentir mais uma melodia. “Flora” mostrou a sua nova roupa e a noite terminou com o brilho de “Luz” que nós recebemos de braços e coração abertos já completamente rendidos.
É certo que a minha admiração por Moullinex começou quando descobri a mestria com que Luís Clara Gomes fazia música electrónica e disco com instrumentos. Hoje, ainda que faltem as cordas, não sinto falta delas pois a mestria mantém-se e o poder de me fazer sentir exactamente como no primeiro dia, também. Resta-me agradecer esta magia sensualmente electrizante e extremamente forte que absorvemos nesta noite.
De olhos a brilhar e com uma aura de luz, saí a sorrir e a celebrar a vida. A que já tive, a que tenho e a que espero voltar a ter!
Fotografia – Vera Marmelo