O vento, nas suas facetas de carícia e devastação, consegue servir para nos apurar a sensibilidade e, até, para apaziguar ou atiçar a tempestade.
Com ele, há uma consciencialização e exploração de todos os 6 sentidos que nos habitam, ensinando-nos que são eles que nos dão tudo o que é preciso para viver e que, por demasiadas vezes, os negligenciamos.
Nunca estamos sempre mal nem nunca estamos sempre bem e o equilíbrio reside na aceitação de cada estágio e na sua essência efémera. Depois de um disco negro, urge agora um pouco de luz por entre essa escuridão, fazendo-nos acreditar, cada vez mais, neste ciclo de estados efémeros.
Falo do segundo longa duração dos Omie Wise. Wind And Blue desperta-nos todos os sentidos de uma forma subtil, bela e brilhante. Um álbum leve e pesado como o vento e, igualmente, poderoso. O quinteto de Braga afasta-se da dark folk e da densidade do progressivo para se dedicar a um caminho com traços de art rock e, até, de músicas do mundo, trazendo consigo uma lufada de suavidade, elegância e brilho sonoros sem nunca perder a intriga do seu lado e tendência conceptuais.
Depois de 2019 nos prendarem com To Know Thyself, Miguel Santos (voz, guitarra acústica e sintetizadores), Fábio Pinto (guitarra eléctrica, lap steel, guitarra acústica e braguesa), Eduardo Peixoto de Almeida (piano rhodes, mellotron, hammond e sintetizadores) João Machado (baixo) e André Mendes (bateria e percussão) trazem-nos este Wind And Blue com 8 histórias carregadas de misticismo e eloquência. Como convidados, Pedro Jerónimo (trompete), Hugo Gama (tenor saxofone), André Reigoto (alto saxofone), Gil Silva (trombone) e Catarina Valadas (flauta) em jeito de orquestra que eleva este disco a um patamar acima.
“Arroyo”, primeiro single a ser apresentado e faixa mais longa do disco, tem início com sonoridades algo orientais a remeter a serpentes encantadas que saem de um pote. Há uma camada de sol que acompanha os acordes e a melodia que tão rápido se entranha em nós e nos traz uma alegria imensa de viver. A voz de Miguel, tão característica, acompanha a envolvência mística que nos faz sentir deslumbramento a cada nota. Os coros e os sopros entram em nós e ficam a pairar no estômago quase como borboletas. Há uma ilusão magnética que nos faz sorrir e nos empurra a uma simbiose com a música.
Em “Crown Flash” a história contada apresenta-se como uma experiência de luz cheia de aconchego sonoro. As cordas vão guiando todo um trilho quente onde, apesar de desconhecido, nos sentimos seguros. O caminho belo e intenso guia-nos a uma espécie de catarse emocional e sensorial onde descobrimos partes de nós.
A segunda faixa mais longa do disco e uma das mais completas, na minha opinião, vem a seguir e entrega-nos uma explosão de ritmo e texturas sonoras quase palpáveis tal como o vento que rodopia à nossa volta num abraço em forma de colo que nos faz tocar o azul do céu. Com diversos estágios e níveis de intensidade, vamos acompanhando a música com o vento no comando passando por várias montanhas, florestas e, até, tornados, terminando com o coração a tocar no céu da boca.
Em tom mais leve e tranquilo surge “Shoals” com uma simplicidade bela e refrescante. Com o peito cheio de ar e harmonia, mergulhamos na suavidade de “Sow The Wind” e lá ficamos a boiar a sentir a água nas costas e o vento na barriga. Uma elegância de blues chega-nos ao ouvido em formato de “Reap The Whirlwind”. Sem percebermos como nem porquê, vemo-nos no meio de explosões estridentes que rompem uma certa tranquilidade e nos enchem de energia e de paisagens incógnitas mas extremamente prazerosas. À semelhança de “Shoals”, “Pyre” é onde saboreamos nostalgias de infância, aquelas puras e belas, e repousamos a mente. Um brilho translúcido e cintilante toca-nos e leva-nos a abrir os olhos e a despertar de um sonho que teve tanto de belo como de esclarecedor. “Aurora” desperta ao nosso lado e deixa-nos um calafrio que, junto com o vento, nos vai acompanhar durante alguns momentos.
Com o selo da gig.Rocks, Wind And Blue saiu no passado dia 01 de Outubro e pode ser degustado e apreciado com todos os sentidos aqui.