Com os anos e os momentos pelos quais passamos, vamos aprendendo que nem sempre as coisas correm como queremos. No entanto, não deixam de acontecer e, seja porque motivo for, algo nos trazem. No sábado passado, dia 20 de Novembro, a noite não estava convidativa a passeios de mota mas, ainda que a chuva tenha molhado a roupa que só secou no dia seguinte, serviu para envolver o momento naquela nostalgia de noite de inverno à lareira. Não nos acompanhou o crepitar da madeira mas sim uma banda sonora melhor que nos levou a passar por vários estágios emocionais e de vida. Uma noite emotiva, especial e com um calor aconchegante que acabou por fazer jus ao mote deste parágrafo. Não podia ter acontecido de outra maneira!
Life, Love, Loss & Death, novo disco de Tio Rex, é o espelho do essencial da vida. Da nossa, da vossa, da deles! Com um cenário mais outonal o Fórum Municipal Luísa Todi foi palco de uma partilha bela e comovente das fases que experienciamos enquanto seres vivos havendo, ainda, lugar à nostalgia e ao aconchego reconfortante da magia em composições musicais.
Tocado na íntegra, o disco intensificou mais o sentir do que aquando a sua audição em casa. Com a energia visceral da música ao vivo, as expressões e os músicos certos ao seu lado, toda a representação das fases da vida teve mais impacto e expressão. A suavidade, leveza de “My Village” deu início à bela travessia que estávamos prestes a fazer. À nossa volta, árvores cobertas de fruto cheiro a flores campestres. O country da música seguinte trouxe consigo o calor que o cenário pedia. “The Art Of Collecting Scars” com a companhia de acordeão e banjo revelou-nos sussurros pelo caminho e uma desconfiança que nos deixava com mais ânsia de chegar. O contrabaixo e o clarinete vieram com os raios de sol que espreitam por entre os ramos das árvores, tocando-nos na cara mas enchendo-nos de um sabor algo misterioso, instigando a dualidade de sentimentos que o amor nos traz. O suspense entra lentamente e o coração, corajoso mas humano, acelera ao sentir que algo se aproxima. O interlúdio faz a ponte de transição para outra fase que nos explode na mente fazendo-nos cair para nos levantarmos com uma espécie de lusco-fusco ao som de “The Decadance”. A voz Conrad Harvey vem acompanhada de um arrepio quente e de subidas com troncos a cortar o caminho. Algum receio começa a surgir a cada passo e olhar e os riffs Fast Eddie Nelson ajudam a intensificar a emoção e o suspense. Mais um ciclo se fecha e com ele o caminho que se aproxima do fim. Aqui podemos perder a nossa identidade ou, até, o corpo. Diante de nós o azul escuro da noite e a insegurança da escolha do caminho certo. O trompete aguça os sentidos mas perturba a mente. Ao nosso lado, um penhasco e a descoberta da quase morte com um leve deslizamento de terra. Marta e Miguel sozinhos em palco e o intimismo denso e negro de “A Deathbed Love Letter” onde, cansados de andar, nos deixamos cair no chão sem conseguir ver. O frio e o sons ao nosso redor intensificam-se e o medo neutraliza tudo. Ao levantarmos a cabeça, uma luz brilha ao fundo, vinda de uma janela de uma casa que dissipa fumo pela chaminé!
O pós-lúdio surge dentro da casa, já sem frio e com uma chávena de chá entre os dedos. Ao olhar pela janela pensamos em todas as vivências que passaram por nós e naquele instante a que chamamos vida.
Depois da viagem dura, crua, intensa, mas sempre bela, deste disco, Miguel fica sozinho em palco e relembra os seus tempos de pisar um palco apenas com a companhia da sua guitarra. “On The Road Again” é uma celebração de country e blues feita com Conrad e Fast Eddie Nelson com honra à música ao vivo.
Uma melancolia cintilante chega-nos com “Autofla-Gela-Ção” que nos acompanha no resto do concerto trazendo-nos vários tons de emoções e beleza e, até, homenagem a Sophia de Mello Breyner e Francisco Fanhais.
Duas horas passaram a correr nesta corrida contra o tempo que, a querer ou sem querer, fazemos. Uma festa intensa e bela na sua plenitude, como a vida deve ser!