As dicotomias fazem parte de quase tudo o que sentimos, vemos, ouvimos e saboreamos. É delas que nos alimentamos e vamos construindo e nelas que procuramos conforto ou/e agitação.
A passada Quarta-feira, dia 16 de Fevereiro, guiou-nos à Culturgest onde encontrámos um Rio Douro cheio de sensações e uma dicotomia que foi do breu à luz, deixando um brilho fresco e reluzente pelo caminho.
Os Sensible Soccers aceitaram um desafio de fazer uma banda sonora para o filme Douro, Faina Fluvial, filme com 90 anos de Manoel de Oliveira.
Uma tela cobria o palco vazio e uma imensidão de instrumentos encontrava-se no fosso, de fronte para aquela que nos ia mostrar um passado em tons cinzentos e outro cheio de cor.
André Simão tinha a seu cargo o baixo e a guitarra, Hugo Gomes, os sintetizadores e programações, Manuel Justo mais sintetizadores, Jorge Carvalho as percussões e Sérgio Freitas os teclados. Foi com eles que a viagem às margens do Douro começou numa experiência sensorial onde a visão entrava numa batalha com a audição. A atmosfera inquietante fazia-se sentir na paleta de cinzas do filme e na franqueza e dureza de rotinas que mal se sabe hoje que existiam. Ao mesmo tempo, a música carrega uma claridade de esperança. Há uma espécie de choque entre o passado nos olhos e o futuro nos ouvidos, numa sensibilidade estética que pouco se sonhava poder existir um dia na década de 30, sendo este contraste que carrega o momento de uma intensidade impactante.
Antes de passar para O Pintor e a Cidade, outro filme do mesmo autor, um interlúdio de afirmações e intuições.
Passamos para um passado mais presente do Porto e das nossas vidas e com ele a agitação social e instrumental que vai em crescendo. As cores vivas de um rio verde trazem algo que só o ouvido captava no anterior filme, esperança.
Ouve-se o fogo, o comboio a passar, o fumo a sair da chaminé, o chiar de algo e até um sorriso.
Em pouco mais de uma hora, houve a luminescência sensorial de uma viagem a um Porto antigo. Os Sensible Soccers não poderiam ter honrado melhor o objetivo proposto e ajudaram com a sua mestria criativa e de composição a suavizar o choque de realidades fazendo com que, desta vez, não dançássemos de olhos fechados, mas sim voássemos de olhos bem abertos sobre as margens do Douro.
Manoel é um disco coberto de texturas e composições complexas que se desfazem em simplicidade quando as misturamos com o olhar.