“adeus” é o 5º trabalho de originais dos barcelenses indignu, e o terceiro que vou dissecando numa escuta atenta e meticulosa. Se “Odyssea” (2013) representa um conjunto de orações apoteóticas, “Ophelia” (2016) trouxe o grito das ninfas e “Umbra” (2018) o desafio das destemidas vozes. “adeus” chega-nos depois de dois anos de pandemia, de muitos confinamentos e de muitas tentativas de nos mantermos todos à tona da sobriedade emocional.
A ‘Devolução da essência do ser’ entra num extenso e enigmático turbilhão de sentimentos, arrancando das vísceras a razão que justifica o caminho que, por mais tortuoso que possa aparentar, encontramos sempre nele uma beleza latente que nos faz continuar. As encruzilhadas de ritmos, que começam com tonalidades de fado mas que rapidamente se emaranham num rock vistoso, esplendoroso, e que no final de quase 15 minutos, consegue deixar-nos num aconchego tranquilo. O piano conquista mais uma vez o seu espaço neste álbum, o que se verificou também em “Umbra” e, num suspiro delicado mas com presença, nos embala no ‘Em qualquer entranha’. Um tema tão breve quanto o que inicia o álbum, ‘A Noturna’, que poderia ser um despertar atento da mãe-coruja numa proteção constante das suas crias.
‘Urge decifrar o céu’ é o primeiro single de “adeus”, e teve a realização de Afonso Barros num vídeo bastante original, onde várias pessoas são filmadas enquanto ouvem a música pela primeira vez. Uma verdadeira alquimia explosiva, que nasce e renasce em experimentações sucessivas do rock progressivo a que os indignu já nos habituaram. Porém, conseguem ultrapassar todos os convencionalismos impostos pelas definições estilísticas, rebentar com os rótulos arrumadinhos que tanto jeito nos dão para classificar a música. E na mesma linha desta fusão sonora, é também ‘Sempre que a partida vier’, o tema que encerra o álbum e que foi escolhido como o segundo single. Composto por várias camadas de sons, onde reconhecemos por vezes uma fina fatia jazzística, mas também borrões nostálgicos e laivos de euforia.
“adeus” é um disco que transpira liberdade artística, cruza sonoridades com uma harmonia arrepiante e estrutura-se com alma e identidade únicas. Os riffs da guitarra do Afonso estão ainda mais apurados e o respirar do violino da Graça, deixa-nos totalmente rendidos à sua nostalgia honesta. Os indignu sempre foram disruptivos, sempre arriscaram em novas junções e sempre tentaram esbater as barreiras entre estilos musicais. Há notoriamente um equilíbrio ao longo do seu trabalho e, acima de tudo, uma lealdade na sua sonoridade.
Volvidos 4 anos, temos mais uma mão cheia de músicas originalmente intensas, com harmonias disruptivas que nos obrigam a repitar e, nessa repitação, vamos sempre encontrar um novo rasgo apoteótico, um novo vértice a lapidar e uma vontade de cerrar os olhos e mergulhar em melodias cenográficas intensamente belas.
“adeus” tem a chancela da unk!records (em parceria com a norte-americana A Thousand Arms) e teve a colaboração de Ruca Lacerda na mistura e a masterização de Birgir Jón Birgisson (Bjork, Sigur Rós, Spiritualized, entre outros). Pode a partir de agora ser escutado no Spotify ou no bandcamp da banda.