É um facto que não oiço os The Dandy Warhols com muita frequência, nem se ouve falar deles com muita frequência, mas, isso é aqui, em Portugal.
Extrapolando a coisa um bocadinho para o norte e centro da Europa, os The Dandy Warhols sobreviveram ao estigma de terem dois singles associados a campanhas publicitárias de uma operadora de telecomunicações. Sobreviver é um termo estranho aqui porque eles nem fizeram caso disso, continuaram na vida deles, mas houve muito público que não se sentiu impelido a ir ver o que iam fazendo ao longo deste quarto de século porque os associava imediatamente a campanhas publicitarias e isso criou, pelo menos por cá, um estigma real.
O que me fez sempre procurar estes norte americanos foi querer perceber porque é que lá fora, em tantos sítios, são uma banda de culto, mas por cá passam tão despercebidos, apesar de, ao ir rever o que se escreveu sobre todas as vezes que cá passaram ser sempre um concerto fantástico.
A escolha da sala 1 do Lisboa Ao Vivo, com capacidade para 700 pessoas, proporciona a envolvência certa para a procura que o evento teve. Há que salientar que o público, na mesma tendência dos últimos tempos, integra grande número de estrangeiros ( mais uma vez o que é que eles perceberam e nós não percebemos nesta banda?)…
A banda sonora anterior ao concerto está recheada de pérolas e singles do final dos 90’s Pulp, Violent Femmes, Blur, e outras tantas dos anos 80, como que para preparar o público para um mergulho com quase um quarto de século. Dito assim parece mesmo muito. E é. Quando uma banda se mantém com o seu núcleo duro em funcionamento corrente durante 25 anos é muito e os Dandy mantiveram-se realmente em funcionamento, lançando álbuns e continuando em tour sem hiatos dignos de menção. Ao longo de mais de 25 anos continuaram diligentemente a construir uma discografia que à primeira vista não é brilhante e/ou fascinante mas que é consistente e coerente e tem muitas pérolas escondidas lá pelo meio. De tempos a tempos aventuraram-se em outros ritmos que não os da sua matriz originária mas sempre pela vontade de fazer exactamente o que queriam sem pensar se seria exactamente o que os ouvintes ou fãs queriam e ainda assim não alienaram o público.
São nove e meia e a plateia começa a ficar impaciente. Poucos minutos volvidos e os norte americanos entram em palco e mergulhamos mesmo no longínquo Be-In, primeira faixa de The Dandy Warhols Come Down de 1997, que cresce sob as luzes à medida que o público se aproxima mais do palco, chamado pelas palavras quase adolescentes “I used to think, while i sit and wait for the phone to ring, that I’d be happier if I just am.” . Courtney Taylor-Taylor debate-se com os seus dois microfones em alguns momentos, e o apoio do baterista de Brent DeBoer produzo efeito necessário para o reajuste.
Zia McCabe, a mulher encarregue dos sintetizadores desde 98/99 é uma força da natureza na forma como se entrega aos seus sintetizadores, às maracas, à pandeireta que bate violentamente na perna esquerda por vezes suavizando as melodias distorcidas das guitarras de Courtney Taylor-Taylor e Peter Holmstrom como aconteceu na segunda música do alinhamento, Ride, do ainda mais longínquo Dandys Rules OK, primeiro registo da banda em 1995. Crack Cocaine Rager abre caminho para uma das favoritas dos mais aficionados, Not If you Were the Last Junkie On Earth um daqueles singles que agitou a maior parte da plateia com três acordes dados. O mais bonito é q eles ainda são felizes a tocar esta música depois de tanto a terem batido.
Em We Used To Be Friends que até é uma música bem levezinha Holmstrom distorce a guitarra parecendo que a via desfazer, mas acho que a maioria da plateia nem se apercebe porque Taylor-Taylor porque continua na sua luta entre os dois microfones. Styggo, morna e agradável como as tarde cheias de boas memórias, cheia de luzes de palco parece uma tarde na piscina, morna e cheia de prazeres subtis, leva-nos àqueles sítios felizes com uma imensa facilidade. Morna e cheia de prazeres subtis como é grande parte da discografia dos The Dandy Warhols. Brent DeBoer sorri de uma forma incrível. Será a sua música preferida, será alguma memória fantástica relacionada com ela? Não faço ideia, mas o sorriso de Brent DeBoer é imenso e cresce ainda mais quando Taylor-Taylor começa a trautear “I Love You” arrastando com ele o resto da banda e o público que o vão seguindo nesse mantra para irem terminar num êxtase de luzes e som impróprios para epiléticos, culminam numa amalgama de distorção novamente sem deixar a música terminar.
Zia agradece a recepção do público e da organização neste que é o primeiro concerto dos Dandy Warhols numa sala em Lisboa, em nome próprio, depois de diversas passagens por Portugal em vários festivais e mesmo na primeira parte dos Rolling Stones no longínquo ano de 2006.
Começamos a ouvir o murmúrio de And Then I Dreamt of Yes, e naquele momento em que a música se resume quase só à voz de Taylor-Taylor ouve-se o grito de alguém “so make you love me”, e era este entusiasmo que eu ainda não tinha percebido mas já conhecia de alguns amigos, e já consegui perceber, acho eu, são uma daquelas bandas que fazem as pessoas felizes e parecem ser felizes a fazer exactamente o que querem. Porque a voz de Taylor-Taylor quase não se ouvia, tivemos o prazer de sentir uma imensa plateia a cantar desafinada o que não deixa de ser nada desafiante.
Começam, param, recomeçam… The Last High e Holding Me Up, transformando-se esta última num momento maravilhoso onde as guitarras de Taylor-Taylor e Holmstrom iluminaram toda a sala com algo que alternava entre distorções e sons completamente límpidos, sob as palmas ritmadas do público a fazer subir a temperatura da sala de forma notória. A banda podia ter logo naquele momento lançado aquilo que quase todos esperavam mas preferiram surpreender com Taylor-Taylor a brindar-nos com Every Day Should Be a Holiday de forma muito singela e a fazer toda a gente tão feliz como se aquela música sempre devesse ter aquele formato mais simples.
Uma hora de concerto parece estar mesmo na hora de lançar todos os trunfos. Bohemian Like You não podia faltar. Quer dizer podia, porque já a ouvimos tanto que o surpreendente seria mesmo não a ouvir, mas a banda continua a tocá-la com um imenso prazer quanto mais não seja de verem o público a saltar e a cantar em uníssono. Horse Pills eram já esperadas há um bocado, já se tinha ouvido alguns fãs a pedirem ambas as músicas.
Não estava bem à espera de ouvir Godless, que é talvez a música que mais ouvi dos Dandy e acho que a maioria da plateia também não. Faltou ali a secção de sopros que é das coisas que sempre me encantou mais nesta música mas a substituição pelas vozes não me pareceu forçada e o público gostou de acompanhar. Muito mais suja e experimental que a versão de estúdio mas, também não é difícil corromper aquela melodia pop fofa e assim sendo porque não? Aquela paragem a meio com as guitarras e os sintetizadores a serem esticados até o publico parecer que não aguenta mais, só que…afinal o público pede mais. Pete International Airport e Boys fecham a festa ou parece que fecham. Taylor-Taylor, Holmstrom e DeBoer despedem-se mas Zia permanece agarrada aos sintetizadores e grita para o público “Sexy Lisbon, sexy Lisbon!!” e durante cerca de três minutos produz toda a espécie de sons passiveis de se tirar daquelas máquinas, para as deixar para literalmente a reverberar sozinhas e dirigir-se ao público para solicitar que a transportem até ao bar.
Uma das coisas excelentes de ter uma carreira com alguma longevidade e consistência é poder escolher um set adequado. Não basta ter matéria prima há que saber o que fazer com ela. Não posso dizer que estou completamente rendida como muitas das pessoas que vi por lá. Assim a frio não posso. Mas a verdade é que consegui mais ou menos desvendar o que já era de certa forma um mistério para mim: a presença constante dos Dandy Warhols como cabeças de cartaz da maioria dos festivais de rock psicadélico nos últimos 10 anos e todo o carinho dessa comunidade por eles. São bons em palco, são felizes e fazem o público feliz e isso pode ser uma das coisas mais difíceis de fazer mas eles fazem com que pareça tão mas tão simples.
Ouvir a Setlist do concerto no Lisboa Ao Vivo