2023 Concertos Festivais Reportagens Vodafone Paredes de Coura

Vodafone Paredes de Coura’23 – dia 16, A força demolidora de Special Interest

Depois da intensidade emocional e musical que foi o  regresso a Coura na edição de 2022, a edição de 2023 deste nosso Vodafone Paredes de Coura manteve a intensidade e carga emotiva fortes que tão bem nos une. A eles e a nós enquanto seres humanos. Claro que nada disto é possível sem aquele bem maior que nunca nos falha e nos dá sempre a mão, a música. Esta edição, para além de celebrar as três décadas do festival, trouxe-nos um dos cartazes mais surpreendentes dos últimos anos não só com bandas que seguramente vamos começar a seguir, mas também com concertos que tão cedo não vamos esquecer.

© Hugo Lima | fb.me/hugolimaphotography | hugolima.com

Depois de quatro bonitos e ritmados dias de Sobe à Vila, com bandas tranquilas, explosivas, loucas e apaixonantes, começaram outros quatro dias de música e amizade. A música, naquele espaço, acompanha todos os gostos e consegue sempre surpreender. O dia 16, quarta-feira, começou com sol e com o ritmo sensual e quente dos Calibro 35 no Palco Yorn. Os italianos trouxeram-nos um início de tarde ao jeito de uma banda sonora de um filme de ficção científica dos anos 70, de série B ou até um filme erótico dessa altura com riffs tropicais, melodias lentas e outras em modo mais acelerado sem nunca perder a sensualidade e elegância proporcionada, principalmente, pelas teclas. A mistura de instrumentos e qualidade de composições engrandeceu o concerto mas senti falta de algumas vozes de colaborações que guardam apenas para o estúdio. 

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O primeiro  concerto do palco principal, Dry Cleaning, fazia-se em registo spoken word com pinceladas de autismo e uma estranha energia quente e fria ao mesmo tempo que entrou em nós logo na primeira música e permaneceu até ao fim. Florence Shaw tem a estranha característica de se manter bem firme na sua expressão mas de apostar tudo na sua exteriorização de jeitos estranhos e formas disformes de comunicação. A sua voz, extremamente poderosa, grossa e densa condiz na perfeição com os riffs estrondosos de Tom e o baixo forte de Lewis, que compõem faixas electrizantes de riffs distorcidos e profundamente fortes ao jeito de uns Sonic Youth, uns Wire e até com traços leves de Joy Division. No final do concerto ainda houve tempo para a energia vibrante de um saxofone. 

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O concerto mais fraco veio de seguida com Snail Mail e um indie rock que vem de uma garra natural de Lindsey Jordan mas que se dispersa na falta de maturidade musical que faz com que as composições sejam fracas e aborrecidas, ao ponto de, apesar das inúmeras e exageradas trocas de guitarra, soar sempre à mesma canção do princípio ao fim. 

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Voltamos ao palco principal para outro bom concerto, apesar dos seus desníveis. Os Yo La Tengo começaram com uma introdução extremamente electrizante que prendeu de imediato todas as atenções na sua atuação. Parecendo que era apenas essa a intenção inicial pois rapidamente desceram o nível e o ritmo, passando do 80 para o 8, como quem nada deve. Realmente eles nada devem nem nada têm de provar, uma banda com quase 40 anos de carreira chegou onde está hoje por simples mérito próprio que, por sinal, é bem palpável. As suas composições são ricas e hipnotizantes, sempre com as frases musicais em loop e uma mestria gritante na guitarra que se enche de distorção e fuzz. Apesar dos altos e baixos e do acelerar e desacelerar do ritmo cardíaco, foi um excelente concerto de uma excelente banda que nos trouxe vários momentos e emoções distintas. 

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Uma das grandes surpresas da noite viria de seguida com Julie e os seus dois companheiros. Três miúdos de fogo e garra nas entranhas e com o sangue carregadinho das  influências certas. Deram-nos uma chapada de atitude, boa música e humildade dos quais tão cedo não iremos recuperar. A presença dos 90’s escorre-lhes pelo suor da cara e materializa-se naqueles corpos franzinos que misturam o rock com grunge e shoegaze dando-nos a energia certa, na quantidade certa. Alex, com apenas 20 e poucos anos tem uma voz poderosíssima e uma arte de brincar com as cordas do baixo de fazer inveja a muitos, Keyan por sua vez, o que tem de bom na guitarra, perde na voz que é algo fraca em comparação com a de Alex. No entanto e, não nos trazendo nada de novo (que já pouco ou nada se consegue ultimamente), conseguiram brilhar naquele palco, fazendo tudo de forma bem delineada, até as transições entre as músicas brindando-nos com um final estridente e catártico a provar que ainda nos resta uma juventude sónica à qual devemos prender esperança! Alex sai do palco agarrada ao seu peluche o qual pesseou de forma tímida pelo rio durante a tarde. Uma banda para ouvir em loop e manter próxima no futuro! 

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Depois da energia explosiva de Julie, Frank Carter e os seus Rattlesnakes, apesar de extremamente competentes, não conseguiram manter o nível. Apresentaram-nos um punk rock limpo e extremamente comercial que, apesar de muito bem executado e muito bem apresentado pelo seu frontman (que é sem a menor dúvida um excelente frontman), não encheu as medidas, ou pelo menos, não chegou à linha deixada pelo concerto anterior. 

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De almas mais tranquilas e coração menos acelerado, foi tempo para outra belíssima surpresa. Os Squid brindaram-nos com uma qualidade de composições quase transcendente com cinco elementos e um baterista que é, também, vocalista principal. Com os sintetizadores a manter um ritmo dançável, as cordas e o sopro brilhavam nas composições mais rock, experimental, new wave e ambient, fazendo com que tudo se enterlaçasse na perfeição e encaixasse, de igual modo, com os diferentes tons e colocações de voz de Ollie que tanto passavam pelo post punk como repousavam em algo mais pop. Por diversas vezes, faziam lembrar Battles e o seu denso math rock. De oscilações variadas, foi um concerto que conseguiu prender do princípio ao fim, envolvendo em perfeita harmonia e alguma esquizofrenia todo o público que assistia. 

© Hugo Lima | fb.me/hugolimaphotography | hugolima.com

Em modo mais dançável e relaxado, no palco principal, Jessie Ware já tinha começado e  apresentou um concerto festivo e amistoso, sempre com a magia dos seus bailarinos e acompanhantes de coros ao seu lado. De modo sensual e sexy proporcionou-nos um momento de felicidade dançante recordando-nos uma pista de dança cheia de xadrez no chão, tons de vermelho na parede e bolas de espelho gigantes por cima de nós. A versão de Cher não foi obviamente a sua melhor escolha, mas os momentos seguintes serviram para dançar e aproveitar o brilho das luzes que víamos reflectidos nas folhas das árvores ao nosso redor. 

© Hugo Lima | fb.me/hugolimaphotography | hugolima.com

Por fim e em modo furacão devastador, Special Interest no Palco Yorn.  Confesso que me é difícil transpor para o papel aquilo que foi este concerto. Esperava 4 e apareceram 3 e garanto que se aperecessem 2, talvez o efeito fosse o mesmo! O trabalho todo ali é feito Alli Logout (voz) e Ruth Mascelli (sintetizadores e drum machine). 

Um cocktail explosivo de várias sonoridades que na sua maioria abordam o industrial, a electrónica e o punk mas que passam pela pop, disco e house, que, no fim, não é mais que uma explosão sensorial de muita adrenalina, garra e revolta. 

© Pedro Vasco Oliveira – Globalnews.pt

Alli é um ciclone, uma força da natureza que transforma o palco no seu momento de libertação demoníaca de tudo o que lhe vai por dentro. Impossível não acompanharmos! Impossível não nos libertarmos com ela e agradecer por podermos fazê-lo! Este último concerto veio abanar e sacudir os resistentes fazendo-os recordar o quão bom é poder ser um meio de absorção e transição desta energia única. Special Interest deram um dos concertos mais surpreendentes do dia, da noite e do festival! Foram poderosos e majestosos instrumentalmente e devastadores em presença. É, sem a menor dúvida, uma banda de palco com um grande especial interesse e de catarse física! 

Naquele que foi um dos dias mais fortes do festival, chegámos quase às 4h com a barriga cheia de bons concertos, bons momentos e uma adrenalina que não nos deixaria pregar olho tão cedo, depois da injecção de loucura sã que nos fora dada por Alli Logout, à qual fazemos uma vénia até ao chão!