O dia amanhecera com sol e calor nesta terra encantada, tendo ficado algo cinzento com o avançar do dia. Foi num embalo quente e suave a que fomos até ao adro da Igreja Românica de Rubiães, monumento nacional com origem medieval e com energias de culto da fertilização para receber o cantautor Caio e sua suavidade romântica na segunda Music Session do festival. Acompanhado apenas da sua guitarra e do silêncio de uma paisagem que se dividia entre o verde e o cinzento da pedra, proferia palavras bonitas de amor enquanto dedilhava acordes belos e simples na guitarra acústica que traduziam a textura do tempo e do espaço. Mais tarde, foi a vez do piano sentir esta textura e acompanhar João em melodias e canções que nos deixaram enternecidos. Houve ainda tempo para um encore, sem ter de pedir muito.
Já no recinto e no palco Yorn, esperava-nos uma pop solarenga e dançável na companhia de Avalon Emerson & The Charm. Um trio de indie e dream pop com synth à mistura que oscilou entre ritmos suaves e outros mais densos, sem nunca perder a sensualidade e o cheiro a pôr de sol que, apesar de não saber, sentia-se.
No palco principal aguardava-nos uma bela viagem pelos tons alaranjados de uma estrada a rasgar o Death Valley. Os Brian Jonestown Massacre têm a brutalidade de juntar dois grandes nomes marcantes da nossa história: Brian Jones e Jonestown. Mas estes dois marcos servem apenas para provar a intensidade das suas viagens e as paisagens densas e quentes que podemos ir sentido a cada km percorrido. O colectivo de sete pessoas proporcionam-nos uma viagem lenta e saborosa que devemos fazer num Oldsmobile descapotável dos anos 60. Ao atravessar o deserto, cada nota que lhes sai pelas cordas envolve-nos como ondas sonoras daquelas quase palpáveis quando assemelhadas a ondas de calor. Um concerto destes senhores é como podermos parar o tempo com o poder da vontade e mantê-lo estático ao nosso redor enquanto continuamos a rasgar a estrada. O cheiro a Califórnia sente-se ao longe e, apesar de a banda já ter passado por diversas mutações e alterações, o psicadelismo mantém-se e o shoegaze flutua no horizonte. Se fecharmos os olhos, conseguimos saborear cada instrumento e cada composição de forma detalhada e intensa, tal como se estivéssemos a tocar com a ponta dos dedos na nossa pele e a descobrir que somos seres humanos.
Mantendo-nos nos Estados Unidos, mas vindos de lados opostos, o regresso dos The Walkmen aos palcos e a Portugal não poderia ter sido melhor. Hamilton Leithauser é dono daquela voz inconfundível que mal sai pelas colunas nos deixa parados e arrepiados. Se aliarmos esta voz à narrativa da banda o resultado tem de ser um rock cheio de raiva e revolta vindo das entranhas mais profundas do ser e que tem tudo para ficar na memória.
Trouxeram-nos músicas de várias fases da banda e da vida deles e com elas, vários momentos das nossas vidas também. É impossível não termos bandas sonoras para tudo! Para além dos hits que já todos berrámos em pistas de dança ou a chorar em casa como “The Rat” e “Heaven”, trouxeram-nos músicas gravadas num concerto de Lisboa, e em diversos momentos que passaram em cidades distintas. A guitarra de Paul e o baixo denso de Peter fizeram com que viajemos até aos anos 90 e encontrássemos aquele pensamento onde o mundo está contra nós e nos exclui, percebendo, hoje, que, no fundo nós é que o temos nas mãos e o esmagamos com tanta força que ele nos tenta afastar, ao mesmo tempo que vemos a nuvem de esperança que não é tão cinzenta como a pintámos! Assim foi este concerto, um misto de raiva e esperança cheio de rock e nostalgia boa.
Era tempo de dançar e desfrutar sensualmente de um casal que explora o desejo como ninguém e o usa em formato de composição sonora. Os Desire elevaram o público a um estado de ânsia e frenesim, partilhando com eles uma dança conjunta de synth pop e italo disco com coleiras, caveiras e rosas, bem à jeito fetiche com bastante glamour. O público, esse, pouco demorou a render-se mergulhando na onda de sensualidade que se respirava por todo o lado. As versões de New Order e Kylie Minogue fizeram as delícias de um público que não demorou a chegar ao clímax!
Para terminar em modo força da natureza daquelas das quais nunca teremos explicação e que só conseguimos sentir mas que quando sentimos é tão forte que ficamos quase sem ar, Fever Ray!
Karin Andersson é uma daquelas pessoas a quem podemos chamar pequenos génios. Não só porque o é por natureza mas, também, pela mestria com que usa o seu dom vocal (que pode custar a entrar mas depois nunca mais sairá) como, também, por todo o cenário que desenvolve ao seu redor, por todas as composições, os figurinos e todo o mistério que cria em palco e na sua carreira.
Sabia que queria muito ver este concerto. Era a minha estreia com ela, o que nunca pensei foi que houvesse tempo para podermos criar uma relação interlocutor e receptor de tal forma intensa que até hoje me arrepio ao pensar. A sua electrónica construída com instrumentos de jeito esquizofrénico que contempla mil formas dentro de si, enche-nos à medida que passeia por cima de nós. Sem darmos conta já estamos perdidos do espaço e dos amigos e rapidamente nos encontramos naquele cenário com um capuz preto a fazer parte do seu ritual de encantamento ou chamamento ou, até, de invocação demoníaca. A intensidade foi visual, sonora e sensitiva e toda aquela energia em forma de música e poção mágica nos invadia o corpo ao ritmo que Karin ditava.
Não era possível parar o corpo que seguia ao ritmo da música que nos era oferecida e a mente acompanhava todo o processo transformativo que foi acontecendo em cima daquele cenário. Diria que não havia melhor enquadramento que um ritual deste nível sob o olhar das árvores que abraçam o recinto. Depois disto, havia que processar e mastigar a magia recebida podendo, simplesmente, deitarmo-nos nas nossas camas.