Salvo raras exceções, é um hábito antigo este festival ter a companhia da chuva em algum momento. Espera-se sempre que seja em pouca quantidade, mas nem sempre o é.
Apesar de um dia cinzento e algo ameno, foi pouco depois das 18h que a chuva começou a dar cartas, aumentando de intensidade à medida que o breu rasgava o céu.
Felizmente para mim, e por uma questão de gosto, este era, também, o dia mais fraco do festival, o que ajudou à quantidade de chuva que o corpo apanhou.
Tal como em muitos outros lugares onde a magia acontece, as pessoas que vêm a Coura preparam-se para possíveis dilúvios e poucos são os que fogem da chuva, mantendo-se fiéis às suas bandas e vontades não sendo a chuva o factor eliminador de público em concertos.
O palco secundário encheu-se de chamas e um diabo chamado Miguel. Chinaskee trouxe a crueza de um rock cheio de electricidade e potência sonoras com guitarras densas e uma consistência digna de uma banda já em fase adulta. Foi uma bela descarga sonora que, apesar de não ter tido trovões reais, foi como se tivesse tido.
No mesmo palco, umas horas mais tarde, mais um trio em versão fórmula que não engana de bateria, guitarra, baixo e voz. Qualificam a sua música como queer post punk mas eu arriscaria dizer que são um misto de DIIV com uma voz com toques leves de um Brian Molko que não bebeu chá de gengibre. Os Thus Love podem ser uma mistura de shoegaze com post punk e algum dream pop com frases longas que repetem diversas vezes durante as músicas e em loop. Apesar dos problemas com a guitarra, o concerto proporcionou-nos uma bela viagem por entre intensas e introspectivas composições que tanto nos levavam a sonhar como a saltar e até recolher-nos no mais íntimo recanto do nosso coração. No final e num acto explosivo de quem aguentou muito, Echo Marshal tentou destruir aquela que tanto lhe complicou a vida durante o concerto.
O nome MДQUIИД soa já de norte a sul de Portugal. Dias antes tinham tocado com A Place To Bury Strangers e no Sobe à Vila. A curiosidade era muita! Há bandas em que o conforto do lar e do sistema de som não faz jus aquilo que são e é preciso senti-las e conhecê-las ao vivo. Ansiava muito por este concerto e quis o destino ou a energia do Universo que as The Last Dinner Party ficassem a fazer a sua festa em casa e nós pudéssemos ter um festim de deleite! Em modo trio e a usar a voz como instrumento, os Máquina são uma verdadeira máquina de demolição. Cheios de strobes e fumo denso ao seu redor dão-nos ondas maciças de distorções e noise, criando uma atmosfera opaca e construída em formato de loop que nos abana repetidamente deixando-nos à deriva de nós próprios, entregando-nos a uma simples e poderosa adrenalina coberta de alta tensão. Com alguma electrónica mas sem nunca perder a intensidade e densidade noise, oferecem-nos um verdadeiro terramoto violento e massivo onde nós próprios queremos ficar e entregar a alma a uma catarse acelerada e violenta que nada mais faz que nos limpar de espíritos maus e nos saciar a alma e o corpo.
A primeira vez que vi Black Midi não tinha ficado convencida, mas como a mudança é algo inerente ao ser humano decidi dar-lhes uma oportunidade. A eles e a mim. No entanto e, apesar de terem começado de forma cativante com um rock acelerado e descomprometido, rapidamente se perderam nas linhas do jazz experimental, flutuando em improvisos que tanto me aborrecem. Foi debaixo de uma chuva intensa que fechei o meu bloco de notas e tive, uma vez mais, a certeza de que Black Midi é para todos os que se molharam diante deles, menos para mim. Deixo a leve nota que, depois da demolição sonora anterior, é sempre difícil manter o nível do que vem a seguir.