Coura carrega consigo o ou os verdadeiros significados de tempo.
Estar em Coura é sinónimo de poder ter tempo. O tempo ali sabe e saboreia-se sempre de outra forma. Existe tempo para sentir o ar, para sentir as pessoas, para olhar, para observar, para relaxar, para comer, para falar, existe tempo para deixar o tempo entrar, tempo para não correr, para podermos olhar de todos os ângulos para todos os lados, inclusive para nós, tempo para não correr e mais importante de tudo, tempo para ouvir música e para, simplesmente, sentir.
Coura dá-nos a melhor experiência sonora e uma das melhores experiências enquanto pessoas.
Coura dá-nos tempo para sentir o tempo e isso é indescritível, por muito que o esteja a tentar fazer.
Depois também há aquele lado do tempo em que de tanto nos dar, rápido nos tira. Seguindo, deste modo, a dualidade com que iniciei mas, servindo, também, para nos elucidar que nem sempre temos o que queremos, mas teremos sempre o que precisamos, desde que fiquemos atentos e soubermos aproveitar o tempo do melhor modo possível.
O último dia de festival começa cinzento, com chuva e com aquele sabor amargo de que o fim está próximo.
Foi na sala de imprensa do festival que nos reunimos com João Carvalho, Catarina Soares (Ritmos, Lda.) e Leonor Dias (Vodafone) para ouvir o balanço desta edição e, também, dos 30 anos.
João relembra que tinha sido há pouco mais de 30 anos que se tinha juntado com uns amigos à noite para ver um espetáculo e decidiram fazer um festival.
Revela que este ano teve uma das melhores edições de sempre, com grandes concertos, e que, apesar dos comentários menos positivos acerca do cartaz, foram boas apostas, relembrando que a contratação de bandas nem sempre é como queremos.
Apesar da chuva, houve concertos com muita gente, tendo sido uma edição com um pouco menos de gente, talvez por causa da crise.
Leonor Dias afirma ter visto um post no Tweeter a dizer que o avô de uma pessoa decidiu sair de casa e apanhar um taxi para ir ao festival porque estava a ver na televisão e isso já diz tudo. Reforçou a parceria, desejando longa vida ao festival.
Foi, ainda, feito o anúncio das datas de 2023, sendo que o Vodafone Paredes de Coura regressa de 14 a 17 de Agosto do ano que vem e, sendo o primeiro dia uma véspera de feriado, vai tentar começar logo com um dia forte, primando sempre pela qualidade, como tem sido sempre feito.
O palco Yorn começou com a paisagem sonora dos Indignu que nos ofereceram um post rock em crescendo, cheio de intensidade e coesão e alguns traços de guitarra portuguesa com um brilho especial dado pelo violino.
Passámos para o palco principal para receber uma estrela da soul. O senhor Lee Fields encheu-nos de ritmo e amor. Com ele traz 6 músicos que abrem as hostes antes da sua chegada e o anunciam em forma grandiosa. A soul tem como característica uma forte união e, quando o talento é genuíno, não há como não fazer parte dessa união e comunhão. Para além de união, carrega também uma grande sensualidade e felicidade. Não era ao acaso que o senhor Lee perguntou várias vezes se estávamos felizes. Nem havia forma de não estar! À semelhança de Charles Bradley, mas em modo menos intenso e menos mexido, Lee entregou-se de corpo e alma a nós tal como o faz à música que encarna e proporcionou-nos o melhor começo de “noite” possível.
Uma aura de boas energias viria de seguida com a estreia dos Yin Yin em Portugal. Música de dança com rasgos de misticismo e alguma world music com um registo solarengo de combinação harmoniosa de teclas, sintetizadores, cordas, percussão e voz como instrumento. As melodias que criam obrigam-nos a fechar os olhos e a dançar em conjunto como se partilhassémos todos a mesma sensação de vitalidade que nos cresce aos pés e nos percorre o corpo, lentamente, até à cabeça.
De regresso a Coura e ao palco principal do festival, o duo alucinado Sleaford Mods. Esta dupla, apesar da pouca parafernália, consegue sempre dar-nos concertos incríveis! Desta vez, o senhor Andrew tirou as mãos dos bolsos e não parou quieto em danças disformes e descoordenadas de um lado para o outro, em jeito de sem saber bem o que fazia, sabendo na perfeição o que queria fazer. Já Jason, com a sua atitude irreverente variava entre os gritos e outras danças tais que lhe pareciam encaixar na perfeição na ironia performativa quase parecendo que estávamos no meio de um momento jackass versão inglesa e com uma boa banda sonora de fundo. Sim, porque a música que fazem é um post punk igualmente irreverente e sarcástico com alguma electrónica e até um pouco de rap.
Mais um belíssimo concerto no palco Yorn com o colectivo Crack Cloud onde o vocalista, também baterista, é dotado de uma voz punk com várias tonalidades que, por vezes, partilha o microfone com mais 3 dos seus companheiros, criando toda uma atmosfera de canção artie com fortes doses de post punk e new wave. Porque a droga e os vícios não trazem só coisas más, trouxeram-nos este grupo que encontrou na música a salvação para a fuga a caminhos de perdição, conseguindo construir melodias coesas, com garra e a densidade suficientes para nos prenderem do princípio ao fim. Numa mistura de festa com muito rock, ainda voltaram para um encore de uma música, provando que não só nós os sentimos, como também eles nos sentiram a nós!
Chegava-se a hora de mais um momento intenso. Para os amantes de post rock, os Explosions in The Sky são uma das maiores influências e fonte de inspiração. Apesar de reconhecer o talento e força emotiva do quarteto, nunca consigo permanecer por mais de duas músicas nestes concertos, faltando-me sempre aquela energia visceral que não consigo encontrar nestes momentos. Gostos à parte, acredito que tenha sido um dos concertos mais fortes do festival, mas o aborrecimento ganhou e não consegui ficar para comprovar!
O melhor estava para vir com o momento mais forte e grandioso do festival. Tim Harrington tem o seu quê de alucinado e louco e ainda bem, pois todos os génios são loucos e a loucura é algo que ajuda a criar. Aguardava com ansiedade este concerto, estava na lista dos que queria muito ver mas longe estava eu de imaginar o que ia acontecer! Uma reunião de zoom por detrás com pessoas do festival e das restantes partes do mundo era intercalada com gifs random. Um senhor louco vestido de gandalf que depois se vestiu de corpo humano em pele e que depois andou quase nú. Um senhor louco que não parou quieto um bocadinho enquanto cantava! Este concerto, meus caros leitores, foi uma autêntica selvajaria de rock’n’roll com a quantidade certa de loucura e a medida em excesso de boa música! Acredito que cada concerto de Les Savy Fav é um momento único e irrepetível, pois o senhor Tim faz o que lhe apetece de acordo com quem tem diante de si e posso dizer que o público que o recebia estava pronto e disposto a tudo! A sede de adrenalina, a fome pelo desconhecido e esta transpiração em forma de rock’n’roll é algo que caracteriza muito bem o público de Coura. A nível sonoro, soam muito à parte boa dos 90’s misturando um rock bem esgalhado, com indie, com post punk, artie e algum noise leve. Pouco mais vos posso dizer a não ser que vejam estes senhores sempre que puderem!
Depois do que assistimos e sentimos, nada mais podia vir pois não teria o impacto capaz de ultrapassar aquele momento. O que é mau pois os Wilco são bons! Os Wilco deram um bom concerto, cheio daquela magia folk e country que nos acompanhou em partes da adolescência, mas a barriga estava cheia e o coração a transbordar de tal forma que nem dava para estar quieto. A melodia bonita e harmoniosa destes senhores que sabem bem o que estão a fazer e fazem-no com mestria sabia bem ao ouvido. Os solos eram bem rendilhados e complexos, mas nem isso serviu para nos colocar a cabeça, o corpo e a alma ali. A injecção de adrenalina ainda se fazia sentir e não lutámos contra ela.
Termina assim mais uma grande edição em jeito de comemoração dos 30 anos. Desta vez ao som de Arcade Fire, Queens of The Stone Age e a já habitual “All My Friends” de LCD Soundsystem que nos enche sempre o peito e os braços de amigos, confetis e balões gigantes.
Destaco nesta edição, mais uma boa quantidade de excelentes concertos, principalmente no palco secundário. A paz, harmonia e amizade que se respira em cada canto do recinto, da vila e do rio e aquela parte do tempo em que 7 dias pareceram 1 mês mas, na verdade, passaram como se fossem 2 dias: o da chegada e o da partida.
Voltando às primeiras linhas deste artigo, não há dúvidas quanto a sabermos que precisamos sempre de Coura!