A abertura do dia final do Luna Fest coube à banda mais difícil de engolir dos 5 dias. Os Bruno and the Outrageous Methods of Presentation englobam tudo aquilo que lhes apetecer, do garage ao surf rock, assentando arraiais no noise. Em menos palavras, uma boa escolha. Deram uma atuação no mínimo cáustica e polvilhada com um humor fino e absurdo.
Os Ruts DC são de outra cepa e de outro tempo. Banda punk clássica inglesa dos 1970s, misturam dub e outros sons roots a um punk suave, mas cheio de contracultura e avesso à resignação. Com cada um dos três elementos na casa dos 70, seria fácil dizer que o regresso da banda se tratou de uma crise existencial de longa idade, mas longe disso – depois do Luna Fest, os Ruts DC vão percorrer a Europa numa digressão que esperamos que corra pelo menos como correu em Coimbra.
Já os The Yummy Fur vieram de Glosgow e trouxeram as guitarras afinadas para um rock mais indie, muito mais atual, onde não faltaram grandes malhas como “Roxy Girl” e “Department”, ambas editadas na sua mais recente compilação editada em 2019, ‘Piggy Wings’. A banda, que em tempos teve nas suas fileiras conterrâneos como Alex Kapranos e Paul Thompson (Franz Ferdinand), agitou a malta que se manteve perto do palco e a que já se preparava para jantar. Concerto muito interessante e repleto de energia.
O londrino Peter Perret tem uma voz daquelas que nos fazem fechar os olhos e levitar. E foi a levitar que estivemos, do início ao fim da atuação dos The Only Ones, em Coimbra. A tranquilidade afinada dos quatro enormíssimos músicos (John Perry na guitarra, Alain Marr no baixo e Mike Kellie na bateria) deixou-nos sem reação e de pelos em pé, tal a profundidade daqueles acordes. Esta foi a primeira vez que tocaram em Portugal (como é que é possível?), e quem assistiu a este concerto viveu um momento do qual muito provavelmente não voltará a experienciar (não são muito assíduos nos palcos, mesmo os britânicos). Senhores de parcas palavras com o público, mas muito cúmplices entre eles, projetando a mais pura new wave e homenageando o mais punk rock de “terras da sua majestade” dos finais dos 1970s e inícios dos 1980s. Quase no final da última música, o guitarrista saiu do palco e deixou a guitarra ligada, como uma marca subtil da irreverência punk que, uma vez vivida, nunca se perde. Peter Perret agradeceu à organização, que, aliás, foi unânime sobre todas as bandas que passaram no Luna Fest, e desejou que para o próximo ano o festival se repita. E este é um desejo partilhado por todos os que ali estiveram, não temos dúvidas!
Pouco tempo tivemos para respirar, entre a levitação dos The Only Ones e a poeira provocada pelos “saltos felizes” dos Gang Of Four. Os cabeças de cartaz tão ansiosamente aguardados tiveram o recinto bem composto e puseram toda a gente a dançar como se não houvesse amanhã! No ecrã sugiram imagens de contestação social, como “Black Lives Matter”, bandeiras LGBT entre a dos Estados Unidos e Inglaterra e um micro-ondas destruído por um taco de basebol. Jon King (vocalista) deixou-nos liberdade para fazermos a nossa própria interpretação à luz das letras dos temas que cantou. Destaque para o mais recente músico da banda, o guitarrista David Pajo, “vindo do México”, que teve as honras de apresentação pelo frontman, e que foi crucial nas backing vocals, principalmente nos momentos em que Jon King apresentava algum cansaço físico por não ter parado um único segundo durante o concerto (mais acentuado no final com o tema “Damaged Goods”). Um alinhamento que fez as delicias dos fãs, que acompanharam efusivamente as letras e corresponderam à energia transmitida pelos músicos. Já no final do concerto, Hugo Burnham (baterista) fez questão de dar um abraço à moça do coro e, com orgulho, dizer-nos que era a sua filha. Mais um concerto memorável no Luna, e que para muitos de nós foi certamente um momento há muito desejado.
O Luna Fest não foi e não é ‘mais um festival de música’. O desafio e o risco na produção de um festival com esta dimensão (em nº de dias) e complexidade (bandas fora do circuito comercial), foi desde o início assumido pela organização. O facto de ser um mês com inúmeros eventos festivos por todo o país assim como na zona centro (simultaneamente estava a realizar-se a 30ª Concentração Motard de Gois) e mais a norte a 30ª Edição do Vodafone Paredes de Coura, podem ter sido alguns dos motivos que justificassem a fraca adesão de público. Por outro lado, e na perspetiva do ‘festivaleiro’, o recinto da Praça da Canção foi o paraíso. Tudo estava impecável e não se perdeu tempo em filas intermináveis que nos fazem perder o que mais importa num festival de música, os concertos!
A escolha do cartaz foi em grande medida direcionada para um estilo musical especifico, apesar de ter tido alguns apontamentos fora do radar e que trouxeram uma outra frescura ao alinhamento, por sinal muito bem aproveitados pela generalidade do público. Bandas emblemáticas do circuito punk rock europeu e norte-americano, que pela sua carga histórica sui generis muitas não estão no circuito comercial. E o Luna Fest foi exatamente esse ‘fora do circuito’, ‘fora da caixa’, uma brisa fresca com cheiro a alfazema (ou outro aroma que vos agrade!) Uma partilha de amor à música e aos anos platinados do puro rock dos anos 1970 e 1980. Um ambiente incrível onde todos estivemos conectados uns com os outros, com os músicos e com aquela vista deslumbrante do Mondego e da sempre bonita cidade de Coimbra. E é por isso que todos nós, os ‘lunáticos’, fazemos votos para que seja um ‘Até para o ano Luna Fest’!