O que nasceu no ano quente de 1967, em Paris, das mãos de David “Bert Camembert” Allen e Gillian ” Shakti Yoni” Smyth, tornou-se, ao longo das décadas, numa instituição única dentro do rock progressivo barra psicadélico barra experimental que oferece honras alargadas aos músicos que pela banda passam, não obstante a sua estatura antes de tocarem nos Gong. Directa ou indirectamente, a quantidade, diversidade e pedigree da nomenclatura associada aos Gong é notável: Bill Laswell, Don Cherry, The Police, Hawkwind, Pink Floyd, Pere Ubu, Fred Frith, Parliament, Chic, Herbie Hancock e Funkadelic são apenas alguns dos intervenientes relacionados com a banda. Após as mortes de David e Gillian, os Gong lançaram mais dois discos entre 2016 e 2019. Em 2023, a actual encarnação dos Gong oferece-nos “Unending Ascending”, um disco que não é nem muito bom, nem muito mau – é apenas o disco do ano.
A primeira coisa que nos brinda em “Unending Ascending” é a presença ubíqua de Syd Barrett. É impossível ouvir “Tiny Galaxies” e não traçar um paralelo com “Matilda Mother”. Da mesma forma, “My Guitar Is A Spaceship” e “O, Arcturus” (é urgente ouvir o solo de guitarra desta música, senhores! URGENTE!) prestam uma vénia muito respeitosa ao chapeleiro louco. “All Clocks Reset” coroa um bouquet de flores perturbadoramente precisas – matemáticas, até! –, mas cuja natureza orgânica afasta quaisquer hipóteses de enfado. Depois, temos “Choose Your Goddess”, um tema que, inicialmente, chega a aventurar-se pelas avenidas do rock mais musculado, para não dizer do heavy metal, sempre sem perder o Norte orientador dos Gong.
“Unending Ascending” também incide numa componente mais experimental e ambiental, diria mesmo psicadélica, na forma de “Ship Of Ishtar” e “Lunar Invocation”. A final “Asleep Do We Lay” é apenas (mais) uma experiência sensorial rara e que encerra o disco com chave de ouro. A mestria de cada integrante dos Gong é inequívoca e isso percebe-se de forma instintiva, como quando observamos uma pintura cujo autor desconhecemos, mas cuja obra nos transmite a sensação de estarmos perante algo maior, superior. Em “Unending Ascending” não é possível mencionar um integrante sem obrigatoriamente referirmos os restantes, tal é a riqueza técnica que cada instrumentista entrega em cada música. Além disso, que sentido faria retirar um ponteiro a um relógio ou uma asa a um avião? Os Gong beneficiam imenso da cola humana que os une, mas, nitidamente, mais ainda por falarem a mesma linguagem.
Não simpatizo com a utilização redundante de hipérbole. Por outro lado, por vezes, duvido se rótulos meus como “disco do ano” ou “obra-prima” não serão excessivos, ou até desadequados. Em caso de dúvida, costumo perguntar a um grupo muito restrito de pessoas cujas opiniões ouço atentamente e que respeito categoricamente por ter elevada consideração por elas. Quando me dizem, unanimemente, que “Unending Ascending” é o disco do ano, indo de encontro à minha ideia inicial, não só deixo de duvidar, como enfatizo a ideia. “Unending Ascending” é isso e tudo o mais: é um organismo atípico, inspirado, alheado de modas, algo que é demasiado belo num mundo tão feio, tanto que parece um conto, uma história de embalar. E é, de certa forma. Felizmente para nós, os que gostam de ser embalados.