Manel Cruz, a figura singela que escreve, compõe e toca, numa espécie de malabarista requintado. Os Ornatos Violeta continuam ‘colados’ à sua pele, como se de um sinal de nascença se tratasse. Pensei na imensidão da distância do espaço do Grande Auditório, e na proximidade que o Manel Cruz nos proporciona e nos acalenta nas suas atuações. E também pensei que um Sporting-Benfica não seria certamente tema para um portista de gema. Todos estes pensamentos se foram dissipando assim que entrei no imenso auditório. Nem o derby em Alvalade, nem a distância entre ele e nós, o público, provocou alguma espécie de constrangimento nesta noite de 5ª feira.
Um palco minimalista, duas guitarras e Ukulele, uma pauta ao centro iluminada ao lado de um microfone esguio. Sala generosamente composta, com os fiéis fans maioritariamente na casa dos entas, que compunham uma moldura suspensa nas galerias cimeiras. Uma chegada descontraída, como nos tem habituado, Manel Cruz olhou em frente e para as galerias, e depois de uma ‘boa noite’ não resistiu a um honesto ‘tão longe!’. Um pouco cerimonioso arrancou em silêncio, com o tema “Onde Estou Eu?” do seu último álbum ‘Vida Nova’. Depois de uma ovação quente e entusiasta do público, partilhou referências musicais como as de Rodrigo Amarante, e entregou a angústia criativa’ à sua composição tendo resultado uma bela canção, o tema “Como um Bom Filho do vento”.
Conhecemos a sua tendência de compor sob o efeito da ‘dor de corno’ (dito pelo próprio várias vezes nas suas atuações ao vivo), mas não foi esse o caso de “Mal nenhum”, que com doçura disse que “esta é uma canção de amor”. Momento que mereceu um destaque estético do Álvaro, técnico responsável pela beleza da sonoplastia do concerto. E num ameaço de despedida, brincou com o acender da luz e acenou a dizer ‘Até à próxima!’ Mas foi este o momento do regresso aos temas de ‘dor de corno’, como “Sonho e forma”. As estórias das composições foram contadas com sinceridade e humor, com a “segunda canção mais pequena de sempre”, “Pode beijar a noiva” seguida da primeira, “Mau hálito”.
Um par de temas em retrospetiva do projeto ‘Foge Foge Bandido’, onde os agudos da voz saíram mais limpos e trabalhados, duplicando assim os instrumentos com o “Papa Nicolau para músicos”. Os acordes na guitarra surgiram mais aguerridos e acompanhados por movimentos mais roqueiros como o arquear de pernas. “Algures perto do mar”, “Pés na margem” e “Falso Graal”, que numa interpretação perfeita conseguiu transmitir o ‘lado mais escuro’ latente na composição deste último tema que foi, seguramente, um dos pontos altos da noite.
Passagem para o reportório dos Ornatos Violeta quando finalmente despiu a camisola (várias vezes pedido pelo público!), “Canção sem título”, “Lágrimas são para correr” e “Devagar”. O tema “Lua de Fogo” tocado logo a seguir, teve um enquadramento magnifico de projeção de luz, com a silhueta de Manel Cruz no centro do enorme círculo vermelho. E já com quase duas dezenas de músicas, avisou que iria tocar o último tema, o “Reencontro”, com o qual gosta de terminar as suas atuações. Depois de vários agradecimentos a toda a sua equipa técnica, som, sonoplastia e luz, fez uma saída meio à pressa regressando quase de imediato, trazendo assim dois encores com mais quatro bons temas. O “Navio Dela”, que mereceu o coro do público em uníssono, não fosse este um dos temas mais pedidos durante todo o concerto, conjuntamente com “Ainda não acabei”. E porque Manel Cruz acredita nas novas gerações, e “seria muito imprudente se não acreditássemos”, tocou a penúltima música deixando-nos uma mensagem de esperança e rejuvenescimento com “Uma razão para seguir”, e despediu-se de Lisboa com “Vida Nova”. Em espaços mais intimistas, em palcos de festival ou em grandes auditórios, Manel Cruz é sempre um músico verdeiro e inteiro em cada atuação.