A Base Organizada da Toca das Artes (BOTA) recebeu no sábado passado Femme Falafel, que é como quem diz a Raquel Pimpão e a (sua) banda composta por mais três excelentes músicos. Com uma base instrumental organicamente sofisticada, la Femme Feudal brinca com os vocábulos, conseguindo a proeza de retirar da língua de Camões a mais pura sonoridade sarcástica, entre o modo blasé e o estilo millennials. Dona de um humor apurado, escreve com o requinte de ridicularizar as modas e os modos da sua geração (a chegar aos 30?) que passam pelas múltiplas escolhas muitas vezes tão nonsense quanto extremistas. Aproveita com inteligência todas as sua desilusões amorosas, expurgando nas canções dark a ‘dor de corno’. Brinca com os ritmos dos sintetizadores humanizando-os e criando composições estruturadas e harmoniosamente dançáveis.
Acompanhada por Lana Gasparotti nas teclas e coros, por Franscisco Santos na bateria e por Tiago Martins no baixo, Femme Falafel fez jus ao prémio atribuído pela 27ª edição do Festival Termómetro no ano que findou. Numa sala tão acolhedora como é a do BOTA, só poderíamos esperar uma atuação descontraída, e próxima de um público que acompanhou efusivamente o tema que foi responsável pelo primeiro lugar deste festival, ‘Depressão’. La Femme é de facto uma artista multifacetada, que entre o gingar dos temas rítmicos que canta e toca, partilha as pequenas estórias de cada um com uma simplicidade genuína, muitos “não têm grande significado” e outros são jogos de palavras em conexão com o mundo, o dela e o nosso. ‘Romance Feudal’, abriu o alinhamento de uma dezena de músicas que se estenderam em pouco mais de uma hora, e com um timbre mais jazzístico fez sobressair de imediato bateria de Francisco Santos. ‘Camada de Ozono’, com um cunho de bossanova, cuja letra é sobre “o que tenta evitar”. O ‘Mitra Indie’ integrou aquele grupo de pessoas que vivem em constante contradição, entre o “Benfica” e o “pensamento metafisico”, portanto pessoas “de quem eu gosto”, diz na introdução.
Um dia de verão muito quente, um quarto e uma composição instrumental, basicamente um termómetro que quase rebenta o ‘Mercúrio’ e ‘Eletrocardiodrama’ na senda dos desamores. Saída dos restantes músicos de palco, ficando sozinha com as “teclas que são a minha cena”, e onde deu continuidade “à música mais dark, a 893” e ao tema ‘Parabólica’. Avisou que “podíamos ir beber umas cervejas”, mas na verdade mantivemo-nos todos atentos e cúmplices dos deliciosos enganos nos inícios das letras. A banda regressou e tocaram mais cinco temas, todos com uma métrica incrível e sonoridades rítmicas que fez o público dançar do inicio ao fim. ‘Livre Arbítrio’ e as milhentas escolhas que temos que fazer para escolher uma simples refeição, ‘Rio’ ou rivers, num trocadilho hilariante com ‘rir’, “Eu sou só Mondego mas eu sei que estás a Sado”.
“Gostava de escrever sobre política, mas há quem o faça muito melhor e eu retraio-me”, “esta é a minha música mais ativista e que só tem uma frase: Parem de foder a floresta da Amazónia”. Quase a chegar ao final, e La Femme arrebatou com os dois temas que mais entusiasmaram os fãs, o funk puritano sobre a roda dos alimentos ‘Tosta de Abacate’ (“a única coisa no mundo melhor que foder”) e ‘Depressão’, em que soltou mais uma gargalhada depois de um engano na letra (o rappe não é fácil!). E para finalizar, “uma canção difícil de cantar, porque é a minha música pimba e pode sair uma voz de cana rachada”, ‘Taj mahal / Tás Mal’, onde com um boné colorido na cabeça cantou sem desafinar e nos animou ainda mais.
Femme Falafel atuarão no Festival NOS Alive em Algés em julho próximo e em Cem Soldos no Festival Bons Sons em agosto, certamente que serão momentos que valerão muito a pena assistir. Pela qualidade dos arranjos musicais, pelo trocadilho humorístico das letras, pela presença da Raquel Pimpão e dos restantes músicos, esta é uma banda que ainda iremos ouvir e ver muitas vezes.