Pela sexta vez em Portugal, os Sleaford Mods apresentaram-se em nome pessoal na Casa da Música, no Porto, para mais uma ronda de promoção de “UK Grim”, o seu mais recente longa-duração datado de Março de 2023. Em Agosto passado, os naturais de Nottingham apresentaram-se em Paredes de Coura ainda com o disco fresco debaixo do braço, mas presenciar uma actuação de Sleaford Mods em nome próprio é uma experiência completamente distinta de uma data de calendário.
O apoio para este concerto esteve a cargo dos Sereias, um septeto do Porto que pratica música avant-garde, por mais que nos tentem impingir meia-dúzia de nomes que chegam a roçar o inusitado (caso de “jazz-punk pós-aquático”). Os Sereias percorrem várias avenidas musicais, caso do rock, jazz e punk e, por cima de uma música experimental, compreensivelmente caótica e cacofónica, o vocalista António Pedro Ribeiro debita poemas e textos assentes na contracultura e, a acompanhá-lo, Ariana Casellas solta ruídos, interjeições e onomatopeias, o que confere ainda mais imprevisibilidade à actuação.
Os Sereias são, nitidamente, muito influenciados pelo burburinho criado pela Knitting Factory nas décadas de 1980 e 1990. Ao vê-los, a ideia que surge, até, é que poderiam ser um supergrupo criado por variados performers de diferentes vertentes culturais, algo tão típico daquele bar (tornado editora) norte-americano. Não são tão interessantes, lamentavelmente, mas, em contrapartida, apostam no valor do choque, com o que conseguem chamar a atenção. Mesmo com uma prestação carregada de teatralidade e poesia, foi difícil assistir à execução integral sem nos aborrecermos. Infelizmente, o choque não é tudo.
Por seu lado, os Sleaford Mods não estão no negócio do choque, mas do entretenimento, e se há coisa que estes ingleses sabem fazer é entreter: samples contagiosos repetitivos e simples, letras de combate, mas, também, sobre o quotidiano, uma inércia aparente (mas apenas aparente) e, a polvilhar tão boa receita, a pronúncia do Inglês das Midlands do Leste, tão diferente até dentro do Reino Unido. Imaginam a mesma banda com o mesmo sucesso sem essa pronúncia? Certamente que não. À hora prevista, os Sleaford Mods iniciaram a sua manifestação artística com “UK Grim”, um bom pontapé de saída para promover o disco homónimo.
Em palco, enquanto Jason Williamson (voz) profere as suas letras, bem como onomatopeias que lembram aves exóticas ou, por vezes, crianças de 5 anos a mostrarem a língua, Andrew Fearn faz exclusivamente uma coisa – movimenta-se. Ele salta, levanta os braços, rodopia sobre si mesmo, interage com Jason, brinca com o vazio e regressa ao sítio de onde nunca saiu. Jason movimenta-se pouco a princípio e, mais tarde, entrega-se mais apaixonadamente à sua arte. Os lugares sentados na Casa da Música são contranatura neste género de concertos.
Colegas indicaram-nos que um concerto de Peaches na mesma sala, há mais de 10 anos, teve o mesmo desfecho, ou seja, as pessoas levantaram-se e começaram a dançar em frente ao palco. Temas como “Fizzy”, “Tiswas” e “Stick In A Five And Go” só ajudaram a que tal acontecesse. Quase no final, a Sala Luggia estava distante a escassos ingressos de uma lotação esgotada. Há poucas canções cujas notas iniciais façam o nosso cérebro faiscar, quer gostemos, quer não, e uma delas é “West End Girls”, um clássico maior de todos os tempos da música pop e que foi catapultado para o cimo das tabelas de discos em todo o mundo quando lançado em 1986.
A improbabilidade de os Sleaford Mods fazerem um trabalho notável com uma música completamente alienígena no seu próprio planeta só torna a versão ainda mais preciosa. Nós, que ouvimos a original na altura pelas batutas dos seus criadores, os Pet Shop Boys, (curiosamente ou não, mais um dueto britânico da mais alta categoria e reconhecido em todo o mundo ao longo de toda a sua carreira), e cientes da pronúncia típica do Sul de Londres de Neil Tennant (voz), sabemos que nada poderia ser mais diferente entre ambas as dicções, mas os Sleaford Mods provaram-nos, sem margem para dúvida, de que não são apenas mais uma banda limitada ao seu próprio estilo. Depois deste resultado, o dueto dinâmico pode dar-se ao luxo de fazer uma versão de “O Fortuna” sem se comprometer.
O público ficou rendido com a rendição e não demoraram muitos temas mais até ouvirmos, um a seguir ao outro, “Jobseeker” e “Tweet Tweet Tweet”, os dois clássicos de “Chubbed Up +” que finalizaram uma sessão que passou a voar. «Estão a ter uma boa noite? Estão a gostar?». Foram as únicas palavras de Williamson da parte do grupo inglês, até se despedirem e agradecerem a presença do público. Contas feitas, os Sleaford Mods venceram e convenceram na Casa da Música? Sim. Bom, mais ou menos.
Em termos de prestação geral, o dueto britânico carimbou o passaporte para vôos mais altos junto do público português, algo que já concretizou há pelo menos 10 anos fora de portas com o seu último disco realmente superior, “Chubbed Up +”, de 2014. De discos francamente geniais como “The Mekon”, de 2007, já não se ouve, sequer, um único tema. Infelicidade a nossa, que demoramos demasiado tempo até conhecermos as coisas mais emocionantes. De lá para cá, os membros mudaram e a banda amadureceu, mas, e regressando ao princípio, mesmo depois de lançarem rodelas de altíssima qualidade como “UK Grim”, já não sente a mesma atitude irrequieta, a mesma sensação de não sabermos muito bem como é que a noite irá acabar depois de um concerto dos ingleses.
Claro que isto é o trabalho de Andrew e Jason e assim o é porque tem resultado, porque os Mods continuam a angariar novos fãs sedentos de uma bossa nova, de uma new wave, de uma coisa nova e distinta. Se funciona, para quê revisitar o passado mais longínquo? Celeumas à parte, será para não misturar as coisas entre os Sleaford Mods actuais e os do tempo de Simon Parfrement, ainda que Simon trabalhe com os Mods nas sombras?
Se até os fãs mais antigos se rendem aos novos Sleaford Mods, nada como continuar a usar a mesma máquina. Quem sabe se, num futuro próximo, os ingleses não revisitam os discos iniciais na íntegra e ao vivo, para deleite dos fãs mais ferrenhos. Até lá, a sugestão que fica é de os verem ao vivo numa sala pequena, acolhedora, a meio metro de Andrew e Jason. É bastante provável que seja cada vez mais difícil vê-los nesses moldes de tu cá, tu lá no futuro.