Celebrada a revolução dos cravos no dia anterior, era, agora, tempo de concluir a revolução sónica anual que o SWR Barroselas Metal Fest repete desde 1998. E que dia este: black metal, death metal, grindcore, crust/dbeat, thrash metal, sludge/doom, war metal e até death rock foram as armas escolhidas para dar ao povo o que faz falta – liberdade para poder escolher TUDO. Não se viram vampiros quase a entrar em Maio, maduro Maio, mas viram-se, em cada esquina, muitas caras conhecidas nestes três dias, umas mais óbvias, outras menos: o Alexandre, a Fátima, o Zé Pedro, o Hugo, a Sandra, o Tiago, o João, o Micael, o Jó, a Cristina… viessem mais cinco dias e a festa continuava para todos estes filhos das madrugadas de Barroselas. Também conhecemos caras novas, caso da Marta Rebelo, caso da Lara Brito. De Barroselas nunca saímos sós – trazemos sempre uns amigos, também.
Os portugueses Capela Mortuária e os espanhóis Aposento abriram caminho para os também nacionais Morte Incandescente, projecto incontornável do que de melhor se faz por cá em termos de black metal. O bom som proveniente do Abyss stage seria uma constante muito bem-vinda ao longo de todo o dia. Também os nacionais Els Focs Negres beneficiaram de um bom som no Arena stage para poderem apresentar o seu heavy metal mais clássico e orientado para o oculto. Entretanto, os Conjurer preparavam tudo no palco interno para virem a ser uma das melhores descobertas de todo o festival.
CAPELA MORTUÁRIA
APOSENTO
CONJURER
Doom metal clássico inglês é, em si mesmo, sinal de qualidade, mas os naturais de Rugby ainda lhe juntam sludge e algum post-metal mais rápido para dinamizar uma actuação que contradiz aqueles que insistem em repetir o cliché de que o doom metal não resulta ao vivo. Foi, talvez, a primeira vez que vimos uma banda de doom metal a criar um circle pit, bem como a dar uso a blast beats violentos, vejam bem! Entretanto, parece que nem estamos a falar de doom metal. E, se calhar, não estamos. 8 em 10, dizemos nós, enquanto escrevemos uma nota para descobrirmos futuramente esta pequena mina de pedras preciosas inglesa. Já os italianos Hierophant foram prejudicados com talvez o pior som do terceiro dia, mesmo que o seu black metal caótico em nada ajude. Ideias interessantes, mas precisam de ser devidamente ouvidas.
Ainda assim, nem sempre um género musical naturalmente caótico é motivo para pouco se perceber o que sai dos PA para o público. Que o digam os lendários mestres suecos do d-beat/crust Skitsystem, que deram o concerto não metal mais entusiasmante dos 3 dias, logo na sua estreia em Portugal. É impossível ouvir o som infeccioso dos gotemburgueses sem o associar aos músicos que compõem (ou compuseram anteriormente) a banda, todos eles provenientes de outros colectivos de metal extremo. Ainda que com algum feedback nocivo inicial, a banda criada por Tomas Lindberg e Christian Erlandsson depressa começou a desfiar temas de “Stigmata”, o clássico maior do quarteto e no qual baseou este concerto, como seria de esperar. O público não celebrou devidamente temas como “Stigmata” ou “Våld”, que, geralmente, lançam o caos no centro dos recintos, mas não foi por culpa dos suecos, que deram um concerto invejável. No speed, no punk!
SKITSYSTEM
Do outro lado do recinto, a melhor surpresa desta 24.ª edição coube à actuação dos alemães Rope Sect. Já conhecíamos a banda desde muito antes desta estreia em Portugal e estávamos ansiosos por a ver ao vivo, até porque não fazemos ideia se isso voltará a acontecer – estamos a falar de uma banda que, em cerca de 7 anos de existência, ainda não deu sequer 7 concertos. Contudo, o que mais nos provocou curiosidade foi a amálgama sonora nada relacionada com o SWR: goth, rock, post-punk, dark wave… mais se assemelha a uma banda do Entremuralhas ou do Amplifest do que do festival mais gutural da Península Ibérica. Felizmente, a organização não cristaliza totalmente o cartaz do evento e, depois, temos felicidades como esta. Custa a crer que os Rope Sect se estrearam em Portugal no SWR Barroselas, mas esta é mais uma medalha que a organização pode usar ao peito. Som claríssimo, temas que alternam entre os The Mission e qualquer banda de black metal norueguesa da segunda vaga, uma melancolia capaz de fazer chorar as pedras da calçada e um som naturalmente apelativo e hipnótico. Em suma, os alemães comeram tudo e não deixaram nada.
E, se uns alemães dão poucos concertos, outros alemães há que já tocaram 9 (!) vezes em Portugal. Também é verdade que estas formigas em particular já andam no carreiro desde 1982, mas, ainda assim, deve ser uma espécie qualquer de recorde dos Tankard. Há quem não entenda o porquê de os Tankard fazerem parte dos Big 4 alemães. Já ouvimos dizer de tudo um pouco, incluindo que, nos tempos de ouro do metal alemão, não havia bandas suficientes e que, por isso, o quarteto liderado por Andreas “Gerre” Geremia foi escolhido para fechar os Big 4 teutónicos. Nada poderia estar mais afastado da verdade, se considerarmos que já existiam bandas como Running Wild, Living Death ou Accept, entre dezenas de outras. Os 4 bonacheirões de Frankfurt devem tudo ao seu pioneirismo e é graças a eles que existem, actualmente, bandas como Lich King ou King Parrot.
É impossível ver um mau concerto dos Tankard, mas é possível ver de que material é que a banda é feita quando “Gerre” se apresenta em palco com movimentos claramente condicionados devido a uma cirurgia ao joelho muito recente. Cancelar o concerto seria uma opção simples, mas também é esta resiliência que só uma banda que faça parte de qualquer Big 4 demonstra. “Chemical Invasion”, “The Morning After”, “Zombie Attack”, “One Foot In The Grave” e “A Girl Called Cerveza” foram os momentos musicais altos do concerto, ao passo que ver os enormes banners da compilação “Hair Of The Dog” e o backdrop do EP “Alien”, apresentados com o devido espaço, foram os momentos altos de qualquer fã que cresceu a ouvir os alemães nos anos 1980. Concerto longe de memorável, até porque os thrashers não tiveram muito tempo de actuação, mas sólido e sem mácula. Perguntem ao público, que não parou um segundo.
Os chéquios Sněť apresentaram-se de seguida e carregaram no pedal do peso com o seu death metal cavernícola e sem rodeios, bastante interessante e sem grandes surpresas, mas o que o povo queria mesmo ver na rua era as chaimites couraçadas, à prova de bala, e o povo é quem mais ordena – cerca das 0h15m, as botas dos comandos canadianos Blasphemy pisaram solo luso pela primeira vez e, ao som de “War Command”, os criadores do war metal carimbaram no passaporte uma das actuações sónicas mais execradoras alguma vez presenciadas no SWR Barroselas Metal Fest. O seguimento para “Blasphemous Attack” confirmou as suspeitas de que os Blasphemy entram a partir, continuam a partir e, por motivos de coerência, acabam o concerto a partir.
SNET
É por demais inútil tentar procurar um tema dos canadianos que dê espaço para respirar, mas, e tendo em conta que qualquer música da banda pode entrar aleatoriamente num best of do war metal, escolhemos a já referida “Blasphemous Attack” e, claramente, “Necrosadist” e “Empty Chalice”. Toda a carreira e mística em redor dos Blasphemy é digna de nota – se há coisas que o público mais novo poderá não entender, como o facto de a banda ter assinado com a Wild Rags Records, é fácil de perceber toda a celeuma em torno dos canadianos quando todos ou quase todos os integrantes (ou pelo menos os originais) foram presos por desordem pública e actos violentos. A banda sempre viveu a sua vida da mesma maneira que sempre tocou a sua música: de forma intensa, sem compromissos e sempre a subir mais e mais degraus na escala da agressividade. O que para muitos foi cerca de uma hora de cacofonia, para outros, incluindo a Música Em DX, foi um momento histórico e raro.
BLASPHEMY
Para finalizar o festival, os portugueses Systemik Violence pensaram que ainda conseguiam surpreender alguém depois do desconcerto dos Blasphemy e pensaram bem. “Ainda aqui andam a esta hora, não é, seus filhos da puta?”. Carinho é isto, é prender o público pelo saco escrotal com um gancho do talho já perto das duas da manhã. A efusividade das centenas ainda presentes no concerto provou que era bem-vindo quem viesse por bem. Mais um Barroselas, mais uma primavera a cantar – esta, a quinquagésima, com um significado especial. Foi bonita a festa, pá. Ficámos contentes.