Quantas vezes temos vontade de seguir por uma estrada laranja em direção ao deserto, de mota preferencialmente, e nos deitarmos ou sentarmos numa duna a observar o horizonte durante horas, até ao ponto de nos perdermos de nós e levitarmos juntamente com as ondas de calor que saem do solo?
Se calhar vocês nenhuma, mas eu tenho muitas vezes. Não só de momentos desses, como de correr atrás de mim ou de me observar confortavelmente do dorso de uma águia.
A música, aquela que nos alimenta e nos constrói, é também capaz de nos proporcionar momentos destes. Bastando apenas fechar os olhos e absorvê-la com todos os poros do nosso corpo.
No passado Domingo, dia 23 de Junho, vivemos a mais perfeita comunhão entre ouvidos, mente e corpo que nos pode proporcionar vários estágios e passagens por desertos e bosques. Por debaixo de um sol ameno e reconfortante ou uma lua cheia enigmática.
A fila era longa ao redor do Lisboa ao Vivo e não era para menos, pois os All Them Witches já tinham provado o quão forte era o seu encantamento. Este era o seu terceiro concerto em Portugal, o meu segundo e isso não impediu os pêlos completamente em pé mal pisaram o palco e deram início aquele que foi um ritual demasiado intenso.
É possível que seja difícil por em palavras aquilo que foi a experiência daquele momento, mas tentarei o melhor possível.
O ritual começou com um feitiço “Saturnite & Iron Jaw” que dá início também à pérola Nothing As The Ideal e rapidamente nos puxaram para uma estrada recta coberta das dunas e montanhas do deserto. Ao longe, um sol a erguer-se tímido ao som do violino e vamos caminhando até sentir o galopar de cavalos com cowboys no dorso, vêm atrás de nós e começamos a correr e a tentar encontrar um refúgio. Cruzamo-nos com serpentes, coiotes e temos alucinações e caímos inanimados no chão. Ao acordar, o sol está a pôr-se e vemos uma fogueira ao longe. Participamos na dança com as bruxas vestidas de branco e os índios semi nus observam à distância. Agradecemos à lua e às forças da natureza, invocando tudo o que precisamos para enfrentar a humanidade. Os coiotes estão ao nosso redor com a fogueira já apagada e a sensação de medo percorre-nos rapidamente, ao mesmo tempo que, de forma imediata, uma segurança ingénua nos invade e eles nos guiam até à estrada.
Abrimos os olhos e o concerto acabou.
Foram 11 os estágios sonoros que nos ofereceram, com direito ainda a uma música de encore. O foco, foi um dos discos mais fortes que têm: Lightning At The Door de onde nos foram oferecidas “Funeral for a Great Drunken Bird”, “Charles William”, “The Marriage of a Coyote Woman”, “Mountain” e a estrondosa “When God Comes Back”.
O stoner denso e reconfortante que tão bem os caracteriza está cada vez mais abrilhantado pelas composições magistrais e pelo desert arrebatador. Os riffs continuam imponentes e hipnóticos, com encantos de blues. O baixo denso, robusto com alguns toques de grunge, é o elemento que nos aperta o coração e o orgão, aquele que nos faz levitar e nos corta a respiração.
No final de 1h20 de pura perdição sonora e mental, pegamos nas vassouras e voamos. Não precisamos de rumo. Naquele momento, já não precisávamos de mais nada!
Abertura da noite esteve a cargo dos nortenhos Jesus The Snake. Que nos trouxeram uma versão algo diferente daquela que lhes conhecia. Têm um novo elemento nos sintetizadores e estão muito mais Pink Floyd, naquela fase das longas paisagens tranquilas e serenas. Foi uma viagem entre o psych e o prog com alguns momentos mais explosivos e de êxtase que foram os pontos altos do concerto, que foi demasiado longo para o estilo que trazem agora e para uma primeira parte. A euforia por estarem ali era notória e não era para menos! Terem cortado umas três músicas do meio da setlist teria sido o suficiente para uma dinâmica diferente e uma envolvência maior do público.