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Simple Minds, crónica da global celebração de uma lenda no Campo Pequeno

Chegado com antecipação, querendo eu dizer também a bem da verdade em cima da hora ao Campo Pequeno, mas antecipando isso sim um bom concerto, é com deleite que verifico que a sala embora não esgotada está praticamente cheia, sinónimo de muito bem composta para receber os Simple Minds a uma segunda-feira.  Eles, com extrema pontualidade pelas 20:32 entraram em palco. Eu tento chegar civilizadamente ao lugar que me está designado, nesta tradição, nesta sala a que não me consigo habituar, de assistir a um concerto como se fosse ao cinema, com lugar marcado. Já não tenho emenda, sou um espectador de concertos de outros tempos, e como exemplo disso tenho memória de ter assistido a uma actuação dos Simple Minds num estádio, portanto imaginam ao tempo que foi. Agora que já não sou um miúdo como na altura, é desta vez que vou aproveitar com maturidade um concerto desta banda lendária. Sentado e bem comportado em vez de estar aos pulos numa plateia de um estádio, inconsequentemente a dançar e nessa altura penso eu com a fraca memória que tenho, sem o amadurecimento necessário para apreciar o extenso catálogo de músicas com refrães orelhudos, guitarras e teclados mais que new wave, toda a instrumentação personalizada de luxo que sempre acompanhou a voz de Jim Kerr, que nessa ocasião lembro, nesse longínquo concerto de estádio teria entrado em palco com honras de Cristo personificado, tal foi ovação nessa altura

De volta à realidade penso que o meu problema com os Simple Minds ao vivo se resume numa coisa, excesso de expectativa, ou então pura e simplesmente azar. Não tenho outra forma de o dizer. A noite de hoje é a de um concerto com um alinhamento talhado para as massas e para mim do lugar onde me sentei, um concerto prejudicado durante os primeiros 40 minutos pelo menos, por um mau som. Não serei omnipotente nem omnipresente para saber se se era esse o caso noutros locais na sala pois estas coisas são mesmo assim. O Campo Pequeno é uma sala reverberante onde as ondas de som podem ser sentidas de forma diferente consoante o local onde se está posicionado face ao palco.

© João Padinha / Everything Is New

Foi frustrante  ouvir temas como “Big Sleep” ou “Sancitify Yourself” com voz de Jim Kerr meio que imperceptível a nível de definição, perdida no meio do reverb avassalador dos timbalões e tarola do kit de bateria da irrepreensível baterista Cherisse Osei que note-se, é um verdadeiro, como se diz? Um verdadeiro “animal de palco”.

Essa falta de definição sonora também era notória na voz da cantora de apoio, na sua voz cheia de soul, pormenores que refiro novamente foram sendo corrigidos ao longo da actuação da banda sem dúvida pelos atarefados técnicos de som. Os fans mais convictos podem discordar, paciência, eu gostava de ouvir as interpretações dos músicos em palco com um certo grau de qualidade sonora a ser debitada pelo PA numa sala em que esteve um calor terrífico e todos os presentes eu inclusive, se queriam divertir e responder animadamente e efusivamente ao concerto. Para mim foi difícil.  Não me vou centrar nesse pormenor negativo em demasia , já basta, pois na parte final do concerto o som já estava bastante melhor e não há nada mais chato do que um cronista armado em pequeno burguês purista do som. Para mim pessoalmente,  a primeira metade do alinhamento de canções, dando exemplos de canções como  “Waterfront“ ou “Mandela Day” não eram das minhas favoritas ou as que tinha mais expectativa de ouvir. O que me leva à escolha deste alinhamento: respeito muito estes músicos mas podiam ter incluido temas menos populares do grande público que outrora encheu estádios e não forçosamente optarem por este desfilar de êxitos certinhos que se ouviu.

Faltou por exemplo “Hunter and the Hunted” do disco ´New Gold Dream (81–82–83–84)` provavelmente um dos melhores temas da banda ,com um belíssimo solo de Herbie Hancock,  canção que a espaços tem aparecido raramente uma ou outra vez no alinhamento de concertos desta digressão Global Tour 2024, mas não teve lugar a ser tocada esta noite. Mas haveriam outras certamente, no entanto, pelo menos desse disco de culto ´New Gold Dream (81–82–83–84)` para além da faixa titulo ouvimos esta noite “Big Sleep” , “Glittering Prize”, “Promised You a Miracle” e claro o obrigatório  “Someone Somewere In Sumertime”. Vistas bem as coisas de que me estou queixar?  Só do resto, “Belfast Child” por exemplo entediou-me um pouco, lamento mas é verdade, deixando de lado a dramática temática da canção, simplesmente não resultou para mim na altura em que apareceu mais tarde no alinhamento.

© João Padinha / Everything Is New

No entanto este concerto foi claramente para os fans irredutíveis, na audiência havia também um assinalável contingente de público estrangeiro, que ou estando a seguir a banda pela Europa ou aproveitando a estadia em Portugal nesta noite de Verão, foram prestar a sua vassalagem. Eu estava embalado e pronto a aceitar que esta era uma noite assim de canções para as pessoas que encheram as salas de discotecas, a dançar as músicas mais conhecidas dos Simple Minds nos anos oitenta, e uma vez que o público todo se sentiu na obrigação e ímpeto de se levantar para ouvir o hino “Don’t You (Forget About Me)” também eu me  levantei e reconheço que foi um alivio, primeiro porque que se não o fizesse não via nada do que se passava em palco, e também porque isto de ver concertos sentado é estranho. Até pode ser confortável num teatro ou noutra sala, mas no Campo Pequeno é simplesmente estranho e ligeiramente desconfortável.

Dei comigo com o calor que se fazia sempre sentir dentro da sala com um misto de alegria por o concerto estar a chegar ao fim, e a render-me ao pensamento: pronto é isto, vim ver a banda dos hits dos 80´s onde a referida “Don’t You (Forget About Me)” fechou em apoteose o concerto antes do obrigatório encore. Com toda a audiência no campo pequeno a cantar em plenos pulmões lá, lá lá lá lá e por ai adiante. A canção é realmente maravilhosa e intemporal, um hino e ainda estou com ela a ecoar na cabeça enquanto escrevo estas linhas. Até Jim Kerr a meio do tema num apontamento de humor brincou e simulou os portugueses nesse dia de manhã a praticarem e cantarem o refrão no duche enquanto se ensaboavam em jeito de preparação para a noite, isto enquanto ouvia impressionado e deleitado a plateia a cantar.

© João Padinha / Everything Is New

Gostei da prestação da banda no geral, foram sempre profissionais numa sala que para mim não era claramente ideal para ver os Simple Minds, as guitarras de Charlie Burchill refira-se, sempre soaram cristalinas mesmo nos primeiros momentos em que o som estava mesmo menos equilibrado. Sai deste concerto com um sentimento misto, se por um lado a banda esteve ao mais alto nível na interpretação destas canções, a má acústica da sala, o alinhamento escolhido das canções e o calor intenso que se fazia sentir, simplesmente impedem-me de pensar que este foi um concerto para mim inesquecível desta banda que me merece muito respeito. Os Simple Minds saíram do palco acenando carinhosamente ao público, já com as luzes acesas na sala enquanto tocava no PA a canção “Heroes” de David Bowie, foi apropriado. Gosto destes rapazes. Jim Kerr agradeceu por mais de uma vez dizendo “Thank You for coming to see Simple Minds”, o que revela uma humildade e simpatia maravilhosas. Pronto, talvez me apanhem para a próxima.