Nick Cave e os seus Bad Seeds deram um concerto magnífico na MEO Arena neste domingo à noite. Fixem a data para memória futura, 27 de Outubro de 2024. A noite em que o artista e seus comparsas artistas transformaram este enorme recinto num mundo à parte, numa turbulência apaziguadora e violenta entre a escuridão e a luz, entre o passado e o presente redentor, num concerto de quase 3 horas de duração em que Cave teve sempre a audiência na mão. Tomaram de rompante o coração mesmo dos mais descrentes como eu. Eu que ainda não digeri a produção do mais recente disco “Wild God” e vim para aqui com saudosismos de outros tempos.
Quero deixar aqui uma nota que infelizmente não assisti ao concerto dos The Murder Capital, como que semi-enganado pelos horários anunciados, não quis sequer considerar que mesmo num domingo, a banda de primeira parte actuasse antes das 20h da noite e que Cave e os Bad Seeds entrassem em palco bastante antes das 21 horas, até cronistas como eu têm de jantar a um domingo. Uma pena portanto.
Vamos aos factos, o concerto de Nick Cave & The Bad Seeds foi triunfal logo desde o inicio, existiu uma extraordinária proximidade com o público por parte do cantor e da banda, e imagens ao vivo em que eram projectadas em ecrãs gigantes que faziam a espaços alusões a mensagens das novas canções de ´Wild God` ou transmitiam como disse o filme do que acontecia em palco, tudo espectacularmente bem filmado a preto e branco. “Frogs” “ Wild God” e “Song Of The Lake” foram debitadas e mostraram que estas novas canções têm um ímpeto muito mais considerável ao vivo. Fiquei pasmado com o impacto do som que embora nesta sala regra geral nunca é perfeito, esteve bastante equilibrado e adequado nos ambientes mais calmos e melódicos assim como nos momentos de maior explosão rítmica e sónica. A canção “Wild God” foi particularmente impressionante nos seus minutos finais. Mais tarde haveria de sentir essa elevação na nova canção “Conversion” também com ambiente de gospel catártico nos minutos finais, que eleva o espirito com mensagens positivas, é verdadeiramente surpreendente o espirito destas novas canções ao vivo.
Claro que após a beleza surpreendente e arrebatadora das novas canções ao vivo, muito apoiada também no coro de cantoras e cantor presentes em palco, também haveria lugar a recordar o passado com “ O Children” “ Jubilee Street” (O primeiro momento que arrebatou de forma espectacular a audiência) e o clássico “From her to Eternity”
O Bad Seeds de agora são outros, os anos foram passando e não vale a pena reter muito a imagem do passado em que eu me havia fixado, sim não sou habitual nos concertos mais recentes nos últimos anos deste colectivo em Portugal e da última e única vez que vi os Bad Seeds ainda Blixa Bargeld cantava com Nick Cave “Where the Wild Roses Grow”. Uma banda diferente na altura, menos estratosférica na sonoridade, menos espectacular ou impactante, mas com com diferentes méritos que pertence todavia ao passado.
Pouco adianta continuar a escrever longamente sobre o desenrolar de canções, de assinalar que mesmo os clássicos tiveram aqui uma revisitação poderosa, como disse estes Bad Seeds não são os de antigamente, na prática nem são os de hoje, foram sim os do momento presente, temos o baixista dos Radiohead Colin Greenwood a substituir Martin Casey por motivos de doença deste nesta digressão Europeia, e na prática um Warren Hellis maestro maior juntamente com Cave deste colectivo brilhante de músicos.
Para mim o momento maior da noite foi a brilhante interpretação de “Tupelo”um espectáculo dentro de um espectáculo. Tudo o resto depreendo foram momentos maiores ou menores que levamos na memória conforme as preferências de cada um. A maestria de Cave e sua comunicação com a audiência, fazendo da Meo arena o seu clube privado de jazz talvez, uma estranha alegoria confesso, falando para as milhares de pessoas como se umas meras cinquenta pessoas lá estivessem, os seus saltos em direção ao banco do piano, os seus gritos em palco nos temas mais fortes de interpretação selvagem, a bonita homenagem mais tarde em “O Wow O Wow (How Wonderful She Is)”, em que foram projectadas no ecrã imagens da falecida Anita Lane filmada a falar e a dançar à beira mar enquanto por cima da canção ao vivo se escutava voz da malograda cantora.
Enfim, tudo pormenores que contribuíram para singularidade esta noite, tal como a interpretação de “The Weeping Song” com o violino omnipresente de Warren Ellis e os jogos rítmicos e interacção de Nick Cave com o público. Foram 22 canções se bem contei, e se porventura a memória que levam mais presente desta noite foi a de Nick Cave já no último encore a cantar sozinho ao piano a bonita “Into My Arms”, perguntem-se talvez se não foi esta uma noite que também nos deixou um depressivo amargo de boca, ao mesmo tempo que assistimos a um concerto surpreendente que nos elevou a alma. Quanto mais tempo teremos connosco esta alma torturada e simultaneamente cheia de luz? Esta alma que proclama em entrevistas que encontrou a verdadeira “Joy” uma palavra que assim como a canção tem um significado maior que transcende a alegria. Algo que só se obtém depois de acontecimentos devastadores. Nick Cave tem 67 anos, salta e move-se e canta ainda como um homem possuído em palco. Deus o guarde. Não sei se o voltarei a ver, mas é bom tê-lo por cá, o mundo caminha para a extinção da arte como a vimos hoje aqui, e conforme palavras do próprio em palco, talvez já seja “tarde demais” “Stop”.