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Desire, amor, luxúria e alguma dança

Terça-feira à noite, ainda noite de Outono sem demasiado frio, o Capitólio engalanou-se para receber Desire, o duo (esta noite e provavelmente em toda a digressão transformado em trio) synthpop canadiano formado por Megan Louise e Johnny Jewel (Chromatics e Glass Candy) que nos trouxeram numa viagem ao seu imaginário fulgurante e denso, carregado de emoções fortes.

Inesperadamente, porque não havia sido dada previamente a informação, tivemos duas performances de artistas da Italians do It Better para aquecer o ambiente e colocar desde logo a massa humana em movimento. O duo Love Object com a sua electro pop contagiante, e que tocaram os temas de The Tower Of Silence editado no final do ano passado via Italians Do It Better. Uma meia hora que poderia ser insípida pela forma como o palco se encontrava quase despido, tendo isso sido ultrapassado pois o espaço foi bem ocupado pela voz e dança de Dasha Utochka e os sintetizadores de Danya Mu.

Com um horário quase cumprido ao segundo, passados poucos minutos da saída palco dos Love Object fomos surpreendidos por Orion, quase completamente só em palco, apenas com uma projeção e num recanto do mesmo palco um diligente Johnny Jewel que ia metodicamente colocando as faixas necessárias que serviam de base à performance de Orion em marcha.

Os Desire entram em palco poucos minutos depois, sem grandes cerimónias, ofuscados pelas mensagens do filme da autoria dos mesmos que é projetado no palco, ao som de Darkside.  Aplaudidos pelo público que pouco tempo respirou entre concertos deram marcha ao que traziam preparado, mas saíram rapidamente de palco ao final da primeira música deixando toda a gente um pouco confusa apesar de informarem que apenas estavam a tratar de sincronizar o filme que nos traziam e que serviu de pano de fundo a toda a performance. Voltaram para alívio da massa gente perplexa que provavelmente se preparava já para protestar.

© Gonçalo Silva / Last Tour Portugal

A atitude provocatória é um marco em toda a performance e é brilhantemente realçada pela forma calorosa com que se dirigem ao público. “Black Latex” denso e quente preenche o espaço que ainda faltaria preencher por mais público e isso acaba por ser transversal a todo o concerto.  O alinhamento escolhido percorre grande parte da discografia da banda mas com especial ênfase como seria espectável nos temas de Drama Queen (é espreitar a playlist).  Silver Machine a despertar de alguma timidez os pés mais ansiosos por dançar. A incursão por Bizarre love Triangle selou por completo a união entre os presentes, por ser indissociável da identidade musical da larga maioria dos presentes.

Under Your Spell não poderia faltar esta noite e seria talvez o término se a própria banda não soubesse já jogar este jogo do sair e entrar de palco que os próprios confessam ser mesmo uma mera formalidade.

Na tela no fundo do palco continuamos a ser transportados pelo imaginário da banda, povoado por Laura Palmer e pelo Agente Cooper, que surgem quase no final para nos lembrar que Jewel compôs músicas originais para mais outro pedaço de imaginário dos que no final dos anos 80 passaram muitas quintas feiras à noite na expectativa de mais um episódio de Twin Peaks.

O público dança, mas talvez não tanto como seria de esperar ou mesmo como desejariam.  Se fechasse os olhos quase que poderia dizer que sim, que estávamos onde idealmente acho que Desire teria mais impacto; num clube, numa sexta feira qualquer, numa cave escura e abafada. Nada contra o espaço do Capitólio óbvio, trata-se apenas de conciliar daquilo a que os Desire se propõe a fazer-nos sentir com o que o espaço nos permite.

É óbvio que o saldo é mais que positivo, principalmente pela atitude feliz e generosa com que a banda se dá ao público. No fim foi ver Megan Louise a cumprir o prometido minutos antes de saírem de palco “Meet us by the merch, we can hangout, take pictures and sign everything untill they kick us out!!” . Essa atitude, essa forma de estar vale ouro.