A noite de segunda-feira prometia ser de surpresas. Fria mas calma, as ruas vazias contrastaram fortemente com a casa quase cheia de gente e a rebentar de energia para receber os irlandeses Gurriers. Talvez incentivados pelas sementes que os Fontaines D.C. lançaram ao vento com o lançamento de Dogrel quase imediatamente antes da pandemia, juntaram-se nesse momento tão distópico e único que foi 2020. É difícil mas também é ingrato meter esta gente toda no mesmo saco, mas basta ouvir duas ou três músicas que ficamos sobejamente esclarecidos. O baterista tinha uma t-shirt dos Fontaines, por isso se dúvidas tivesse, que não tinha, também se teriam dissipado ali.
No entanto, foi apenas no início do regresso a alguma normalidade que lançaram Top Of The Bill, no final do verão de 2021. Continuaram a lançar singles e a tocar ao vivo consistentemente, até que, finalmente em Setembro de 2024 o álbum Come and See viu a luz do dia. No início de 2025 lançaram-se numa tournée que os levou novamente a Espanha, onde já haviam actuado em 2022 e pela primeira vez a Portugal.
Por cá o concerto que originalmente esteve previsto para o LAV viria a sofrer esta alteração de última hora que creio, beneficiou tanto o público como a banda. A sala da Galeria Zé dos Bois continua a ser uma das minhas favoritas para este tipo de confusões às escuras. E aqui foi mesmo quase às escuras porque a quantidade de fumo em alguns momentos não nos deixava sequer ver o baterista, apesar de estarmos a cerca de 2 metros dele.
A fusão da banda com este público não poderia ter sido sequer semelhante à desta noite se o espaço fosse outro. E muito embora compreenda a vontade de chegar a mais e mais gente, estes momentos de guerrilha intimista continuam a perdurar muito mais na minha memória do que os concertos que acontecem em salas de maior lotação. A forma como cada um deles se comporta em palco é diversa, mas é inegável que gostam de interagir, provocar e incitar o caos, o que naquele espaço não é nada complicado de fazer acontecer.
Nausea a abrir o concerto parece quase uma provocação para aqueles que ainda teimam em ver concertos através dos ecrãs do telemóvel. Parafraseando alguém que estava ao meu lado, aborrecido como eu, com duas ou três pessoas que praticamente gravaram o concerto todo, “Que cena tão 2010!“!
Sempre com um ritmo quase quase vertiginoso e bastante duro para uma segunda à noite, o quinteto aproveitou bem a sala aconchegante do ZDB para nos brindar com quase todas as músicas que deles se encontram editadas e pelo menos mais uma que já fará parte do que para aí está para vir. Intensos e interventivos no ritmo e nas letras, abordam temas tão actuais como as liberdades individuais (Dripping Out) ou a ascensão da extrema direita (Approachable).
Resumindo, os Gurriers tocam e o público explode na plateia. Foi difícil perceber quem estava mais emocionado, se a banda se o público. Vocalista, guitarristas e baixista fazem incursões sucessivas no meio do público, provocam, pedem mais. É daqueles momentos em que a energia do palco e do público nos atravessam em simultâneo, nos despedaçam, só que aqui não foi um momento fugaz no meio de um concerto, foi um momento que durou todo o concerto.
Gurriers voltem à ZDB no verão, e façam um fim de semana em pleno, continuem a escrever e a tocar a banda sonora das revoluções que antevemos no nosso futuro.