Na sexta-feira passada dia 07 de fevereiro, a sala de Alvalade encheu-se para receber mais uma noite de punk rock português. Em 2015 os Peste & Sida celebraram nesta mesma sala a edição dos três primeiros álbuns, ‘Veneno’ (1987), ´Portem-se bem’ (1989) e ‘Peste & Sida É que É’ (1990). Este espetáculo, que aconteceu a 6 de novembro de 2015 foi gravado e na sexta-feira, regressaram para fazer a festa do lançamento do álbum duplo, ‘Ao Vivo no RCA’. Os Gazua, banda de João Morais (presentemente com o projeto O Gajo e mestre da viola Campaniça), encarregaram-se de fazer a abertura da noite, repetindo assim o feito de há 10 anos e também lançaram um longa-duração com uma compilação de temas, intitulado “2008-2015”. Uma noite que certamente ficará nos registos da programação do RCA Clube, nos da Anticorpos Records a editora que pôs o selo em ambos os vinis, e nas nossas memórias felizes.
Mais uma noite de revivalismo do punk rock português, mesmo que possa parecer-nos que este espaço foi sendo conquistado por outros registos musicais. Registos estes onde os sons orgânicos das guitarras foram sendo substituídos pelos sintetizadores, e as batidas espontâneas por batidas ensaiadas. Mas nesta noite sentimos o pulso latejante da eletricidade das guitarras, os gritos suados das baquetas e o sopro vivo dos saxofones, tudo esteve no seu devido lugar.
As portas abriram às 21h, mas como o público foi chegando a conta gotas, já passava das 22h quando o trio dos Gazua subiu ao palco. João (voz e guitarra), Paulinho (guitarra-baixo) e JP Teixeira (bateria), revisitaram os álbuns da sua discografia, e deram o pontapé de saída para uma noite de biqueiradas com o tema ‘Bem Vindos ao Inferno’ do álbum “Música Pirata” de 2009.
A sala compôs-se. Os fãs de Gazua aproximaram-se do palco, e no soletrar dos refrões agitaram os corpos naquela energia única e contagiante dos riffs do punk, ‘Queremos a música de volta!’. ‘O que estás aqui a fazer?’, ou o que estamos afinal nós todos aqui a fazer? A ver o mundo a dar cambalhotas numa ‘história que deveria ser reescrita’, Palestina vencerá! num grito que saiu do público no final da leitura de um poema do poeta palestiniano Khaled Juma. Mais uma mão cheia de músicas percorrendo assim os sete anos dos registos discográficos. E para a despedida o tema ‘Fazia tudo outra vez’ (“Convocação”, 2008), por sinal bastante apropriado para esta ocasião de celebração.
Um curto intervalo para mudança de músicos, mantendo-se o baterista (JP Teixeira) que gentilmente foi cedido aos Peste & Sida, substituindo o músico Sandro Oliveira. Um elenco e um alinhamento de luxo em que, volvida uma década, a festa contou com os amigos no mosh e no palco. O cantor de reggae Freddy Locks, o músico Johnnie da banda de crust/hardcore Simbiose e o DJ Billy que com muito ritmo continuou a festa até às tantas!
Duas dezenas de temas que atravessaram estes (quase) 40 anos de bom rock tuga, e em que todos eles nos remeteram para um lugar feliz do nosso passado. “Carraspana”, “Bulé bulé”, “Não te Cures”. E já do Século XXII o tema “Zé Tuga”, disse no gozo o frontman João San Payo, que teve uma energia e resistência incrível durante toda a atuação (a malta já não vai para jovem!).
Os Peste & Sida são um fenómeno da música portuguesa que merece alguma atenção. Entre saídas e entradas de músicos, nunca deixaram de ter a genuinidade da rebeldia do punk rock. Desde a edição do primeiro longa-duração, ‘Veneno’ (1986), que foram trilhando o seu caminho sempre com a preocupação de serem fieis a si mesmos, seguindo uma linha mais ou menos contínua nas suas composições.
Os Peste já tiveram várias vidas, mas sempre mantiveram aquele registo anglo-saxónico mesclado com um ska ´tuga´, que os torna únicos no panorama nacional. A décalage dos vinte anos face ao movimento punk londrino, por exemplo, acabou por nos beneficiar, pois ainda podemos partilhar estes tesourinhos com as novas gerações (filhos e netos!).
Um concerto recheado de tudo o que têm de bom (já nem me lembrava que é tanto!), e com uma sequência que quase nos tirou o fôlego! Entre piadas (como o azedume do resultado do jogo Porto-Sporting) e as músicas “que dantes dedicávamos às vossas namoradas, mas agora é às vossas filhas e mulheres“, como o tema “Família em stress”, seguiram os ritmos gingões e Freddy Locks acompanhou João Alves no “Equilibrista”.
O saxofone de João Cabrita acompanhou todas as músicas e o saxofone Barítono do Gonçalo Prazeres também se juntou, já mais para o final. As guitarras, a de Ricardo Barriga e a de João Alves, fizeram um belo casamento com a guitarra-baixo de San Payo que na sua multiplicidade de tarefas, conseguiu ser perfeito em todas. Grande João! Apesar de várias tentativas (contei pelo menos três!) para que João Pedro Almendra subisse ao palco, ele nunca apareceu. E foi com pena que não voltámos a assistir às suas inigualáveis performances em palco, o Almendra é, sem dúvida, um dos elementos que mais marcou a história desta grande banda.
Já a caminhar para o final das duas horas (acho que mais!), após o clássico “Paulinha” e as peripécias da Escola Padre António Vieira, ainda reunimos forças para saltar o “Gingão”, o “Reggae Sida” e “Chegámos ao Fim”. Só que na verdade não foi o fim, “Alerta Geral”, “Acredita”, “Alcides Pinto” (dar nota de o incrível dedilhar da guitarra!).
Último quarto de hora no regresso a 1986 com o tema que dá o nome ao álbum, “Veneno” seguido de “Chuta Cavalo” do segundo LP ‘Portem-se bem’ e “Peste Até ao Fim”, tema dedicado por JP Teixeira ao Sérgio Duarte (RCA Clube). No derradeiro final, uma versão de “Sheena is a Punk Rocker” dos míticos Ramones, onde San Payo contou com a ajuda de Billy e de todos nós nas vozes.
Resta esperarmos pela festa dos 40 anos dos Peste & Sida na B.O.T.A., lá mais para o verão quem sabe e dizer-vos que o punk rock português está vivo e recomenda-se!
