A 13 de janeiro de 1979 os Xutos & Pontapés tiveram a sua primeira aparição em público, na centenária Sociedade Filarmónica Alunos de Apolo, em Lisboa. Segundo os testemunhos de quem por lá esteve, já foi pela madrugada dentro que os moços tocaram quatro temas em escassos minutos. Breves, mas suficientes para chamarem a atenção de que algo estaria a mudar no rock português.
Poucas são as bandas portuguesas que conseguiram a proeza de completarem quatro décadas com a constituição original, Zé Pedro, Tim, Kalú, Gui e João Cabeleira. Nem tudo foram rosas ao longo desta ‘Vida Malvada’, segundo o site oficial da banda, pois o álbum “Gritos Mudos” não foi um êxito de vendas e as saídas de Gui (saxofone e voz) e a entrada de Tim (voz e baixo) nos ‘Resistência’ em 1991, abalaram um pouco os alicerces da banda.
Mas pouco tempo depois, em 1995, o concerto acústico nos estúdios da Antena3 e a atribuição do Prémio Carreira da revista Blitz, devolveu-lhes as luzes da ribalta e, desde então, o reconhecimento da “maior banda de Rock’n’Roll portuguesa” foi visível na imensidão de fãs que os segue, de norte a sul do país numa espécie de devoção incondicional. Reconhecimento este que ultrapassou todos os círculos musicais e artísticos, quando em 2004 foram agraciados pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio, com o grau de Comendador da Ordem de Mérito.
Os Xutos & Pontapés são e sempre foram uma banda de palco. As atuações ao vivo deram-lhes quase tantos álbuns quanto os de estúdio, mas o gosto pelas bandas sonoras acabou por levá-los a outras aventuras, que ainda hoje integram o alinhamento. São disso exemplo os filmes de Joaquim Leitão, “Tentação” (1997) e “Índice Médio de Felicidade” (2017) também realizado por Tino Navarro, e o “Linhas de Sangue” (2018) de Manuel Pureza e Sérgio Graciano. Pelo teatro também deram o seu contributo com o tema homónimo do musical “Sexta-feira 13” (2006), com textos de Eduardo Madeira e encenação de António Feio.
As décadas foram contabilizando os anos de carreira e fomos acompanhando o seu percurso, umas vezes mais atentos do que outras, gostando mais de uns temas do que de outros. Mas o ano de 2017 ficará para sempre marcado na história da banda e na história da música portuguesa, o desaparecimento do mentor e frontman, Zé Pedro.
Mas a vida continuou para os Xutos e em 2024 quiseram comemorar os 45 anos de estrada, correndo o país com a tour ‘Olá, Vida Malvada‘, encerrando em grande em Lisboa no passado dia 22 de fevereiro na sala do Meo Arena. Os portugueses Meu General e os Conjunto!Evite, abriram as hostes com meia dúzia de temas, onde em cada uma das atuações se juntou um elemento dos Xutos. Com os Meu General a guitarra de João Cabeleira deu um brilho mais intenso ao tema “A Vida Está Lá Fora”, e a voz do Tim robusteceu “Preciso de um copo” dos Conjunto!Evite. Se os primeiros estão na linha do rock tuga mais clássico, já os segundos fogem das sonoridades mais conservadoras e abrem todo uma nova paleta de sons de um rock progressivo, com uma pitada jazzística que harmoniosamente se deixa ficar no ouvido.
MEU GENERAL
CONJUNTO!EVITE
Ao rebentar as 22h soltaram-se os decibéis, e entre chamas e sob o X iluminado, os Xutos lançaram-se para mais de 2 horas ininterruptas de concerto. Quase três dezenas de temas acompanhando uma trajetória cronológica, onde os mais recentes, envoltos em imagens de cores avermelhadas projetadas nos écrans, se concentraram nos primeiros 45 minutos. “Quem é quem”, “Tu e eu”, “O mundo ao contrário”. Em “Chuva dissolvente” Tim agradeceu a presença das bandas de apoio e dos milhares de fãs, que se concentraram naquela noite para os idolatrar uma vez mais.
Momentos a assinalar, o tema “Mar de outono”, em que Tim partilhou que foi a última música em que gravaram com o Zé Pedro, e se sentiu uma serenidade na sala. Já em “Dados Viciados” confidenciou que, foi uma altura difícil em que o João Cabeleira quis abandonar o projeto (se bem me lembro a recetividade do álbum não foi muito boa.). Em “Mergulho no mar” soltaram confettis e lançaram novamente chamas no palco, que fizeram as delícias do público (recordo que o público estava representado por três gerações!).
“Ai a minha vida”, “Maria” e “Á minha maneira” aceleraram o ritmo da noite, onde a energia contagiante do Kalú se fez ouvir a bons pulmões! Mais um momento de agradecimentos, desta vez aos músicos da banda, “por este tempo todo“, e de apresentação do músico Tiago Ferreira que substituiu as guitarras de Zé Pedro. Em “Submissão” todos os músicos saíram e deram lugar ao Zé Pedro, que encheu o palco com a sua eterna simpatia e as suas poses roqueiras imortais. Uma homenagem que nos deixou com um nó na garganta e com muitas saudades do músico.
“Não sou o único”, “Contentores”, “Remar Remar” (com uma incidência de luz perfeita na bateria) e “Sémen” (primeiro single da banda) seguiram sem interrupções, “estas foram todas as músicas que gostávamos de tocar em 2024“, disse Tim enquanto caminhavam para o final do concerto.
No encore, o tema “Avé Maria” contou com os três pastorinhos e a Nossa Senhora de Fátima a deambularem nos ecrãs, e com João Cabeleira no seu estilo único a fumar um cigarro. Seguiu-se “A Minha Casinha”, que fez tremer o Meo Arena como era expectável e, numa saída mais tranquila o “Homem do Leme” em acústico, como já tem vindo a ser habitual nas atuações dos Xutos.
Uma noite longa (a primeira banda começou às 19h30m!) mas sem esperas, em que todos comemorámos os 45 anos da vida malvada dos sexagenários Xutos & Pontapés. Um alinhamento eclético, deixando de fora muitos dos temas mais antigos, mas com muitos fãs a acompanharem as músicas mais recentes. Um público heterogéneo na idade, o que prova que as novas gerações continuam a acompanhar o rock português e que os Xutos são, definitivamente, transversais a todas as gerações. Muitos Parabéns!
