O minhoto mais melancólico da música popular contemporânea, voltou aos palcos de Lisboa no sábado passado. Volvido pouco mais de um ano, Valter Lobo e os seus músicos regressaram ao belíssimo Teatro Tivoli, para apresentarem (parte) de ‘Melancólico Dançante’ o terceiro álbum de originais.
A recente temporada na América Latina, principalmente a sua estada na cidade brasileira do Rio de Janeiro, trouxe-lhe a disponibilidade mental e a inspiração criativa para o trabalho de composição. O assobio, tão marcado já em registos anteriores, regressou com ‘Melancólico Dançante’ com cheiro a maresia.
A chuva e o frio que se fizeram sentir em Lisboa na noite de sábado, aprimorou o cenário intimista que se viveu durante quase duas horas. Os músicos Jorge Moura (guitarra), Pedro Santos (guitarra baixo) e Pedro Oliveira (bateria) acompanharam a grande parte dos 16 temas que aqueceram os corações daqueles que esgotaram o Tivoli.
“Tenho Saudades” (´Mediterrâneo’, 2016) abriu o cardápio da noite, onde saíram das cordas da guitarra elétrica alguns ritmos mais acentuados, elevando assim os decibéis contrastando com a repetição do refrão à capela no final do tema. “Ainda ontem tinha céu’” (hoje desço ao inferno), o single do novo álbum, que se envolveu na suavidade delicada da elétrica e deu espaço à acústica de Valter, que a acompanhou com os passos dançantes do videoclipe. Antes de seguirem para “Moleque” e o assobio, perguntou ao público se já tinham ouvido o álbum e se tinham gostado.
Altura para passarem pelo álbum ‘Primeira parte de um assalto’ (2022), com o tema “Fizeste-me sonhar”, onde a 2ª voz do guitarrista Jorge Moura assentou na perfeição! Na passagem para “NANANA”, Valter perguntou “de onde é que vocês me conhecem?”, e as respostas foram surgindo dos vários cantos da sala, “Bons Sons! Oeste!”. “É que vocês conhecem as músicas, menos as últimas (risos). Ainda me engano na letra, ainda não as decorei. Qual é que querem?” Mas os sons dançantes mais recentes prosseguiram em “Aguarela”, com as tonalidades arco-íris projetadas ao fundo e o público a acompanhar o refrão.
Com uma base a puxar o blues, a “Menina-mulher” esteve mergulhada em “sonhos de café” e numa bonita composição instrumental, onde o baixo foi acompanhando a batida compassada da bateria. Se houve músicas que o deixaram orgulhoso, “Tão perto” foi seguramente uma delas (para mim a melhor música do álbum). Preciso de te ter tão perto / mesmo sendo incerto / eu atravesso o deserto / vermelho ou preto eu me comprometo.
Valter Lobo é um comunicador nato, não tivesse ele a formação de base em Direito. Nos intervalos das músicas vai contando histórias e conversa com o público como se estivesse sentado confortavelmente no sofá da sala, com um copo de um bom tinto maduro na mão. Numa destas histórias, contou que comprara uma guitarra (“que nunca esteve no palco”) no OLX tendo ido à Lourinhã buscá-la no dia anterior. O vendedor estava nessa noite no meio do público. E foi com esta guitarra que regressou às águas azuis de ‘Mediterrâneo’ (2016) e tocou um dos seus temas mais melódicos, “Quem me dera”.
Músicas entre Portugal e a América Latina, onde do Rio de Janeiro saíram muitas composições como “Cinema ou real” e ” Se é Primavera” (provocas em mim as mudanças do mundo / e eu nunca quis nada e agora quero tudo). Regresso da banda (tocara sozinho com a guitarra acústica no tema anterior), em que os instrumentos subiram o tom e deixaram a sua voz meio sumida, como se a quisessem desligar lentamente.
Jogo de luzes magnífico, com as silhuetas gigantes dos músicos projetadas na parede, um cenário perfeito para o tema “Guarda-me esta noite” (Mediterrâneo, 2016), onde mais uma vez o público em uníssono teve o protagonismo no final. Momento em que agradeceu a Rui Moreira (que se levantou da cadeira), pelas horas de gravação e de ‘filosofia’, que entraram pela madrugada dentro em Torres Vedras.
“Havia fogo” no teu corpo / havia desejo do céu azul. Uma viagem bonita que termina com Valter Lobo a perguntar à banda se a música já tinha terminado. Tudo saiu tão naturalmente que nem nos apercebemos, “Não me saiu bem esta canção. Sai para a próxima.” partilhou com um sincero sorriso no rosto. Já a caminho do final, tocaram o último tema de ‘Melancólico Dançante’, “Bom te ver”. Destaco a atuação do baixista, que neste tema se entregou totalmente e conseguiu transmitir-nos a intensidade da música, com os olhos cerrados e um suave gingar de ombros, todos queremos ser amados / bom te ver assim feliz.
Depois de agradecer aos músicos, aos técnicos de som e de luz, avisou que os encores são para as vedetas e que por isso não haveria encore, mas iria estar lá fora no final (“do lado direito”) com os discos (e uma boa conversa, de certeza!)
Com as duas últimas músicas, Valter Lobo e os seus músicos deixaram o Tivoli em altas. Com as três guitarras a rasgar no tema “Oeste” que, em sintonia com o psicadelismo de luzes, foi de cortar a respiração. E num final mais tranquilo e em comunhão com um público de fazer inveja a qualquer músico, a melodia magnifica de “Supernós”.
Esta foi uma noite de (re)conforto de alma num março frio e chuvoso.
