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Tó Trips & Fake Latinos; Quantos mundos cabem nestas guitarras?

Quantas portugalidades cabem na guitarra de Tó Trips? Ou quantos mundos? Ou quantas vidas? Tenho por hábito ir à procura de entrevistas e outras coisas sobre as pessoas ou bandas sobre quem vou escrevendo, numa tentativa de compreender pequenos detalhes. Encontrei muita coisa, muitas entrevistas e pontos de vista muito interessantes e coerentes com a ideia que tenho do Tó Trips enquanto músico e enquanto pessoa.

Indo ao início de tudo. Fiquei a saber que esta noite no Teatro Maria Matos nasce do acaso, simples de uma guitarra passar a existir na casa do adolescente António Manuel Antunes porque a mãe, já nos seus 40’s começou a tocar na igreja. E o instrumento de repente passou a fazer parte da vida dele. A curiosidade cresce à medida que a destreza no instrumento aumenta também. Acho que mesmo que aquela guitarra não tivesse aparecido naquele momento especifico, é quase certo que mais cedo ou mais tarde, talvez uma outra guitarra cruzasse o caminho de Tó Trips.

Nos anos 80 (onde já vai isso…) formou e fez parte de bandas como os Amen Sacristi, os Santa Maria Gasolina em Teu Ventre que gravaram para Ama Romanta. Formou depois os Lulu Blind que nos anos 90 rodaram rádios e concertos na adolescência e consolidação do rock e derivados da tugalândia. Farto dos filmes e dramas que eram as bandas desiste de grandes ajuntamentos mas continuou sempre a descobrir-se nas cordas das guitarras. É já neste milénio que se redescobre acompanhado de Pedro Gonçalves no contrabaixo, e juntos criam os Dead Combo. Depois e durante a vida dos Dead Combo, Club Makumba, bandas sonoras e muitas colaborações com outros músicos e artistas em discos seus e nos discos de outros.

Dissidente. É adequado. Tó Trips posiciona-se na margem de muitas coisas, a fabricar histórias que saem das cordas de várias guitarras com vários mundos dentro mas com um sentimento muito nosso, mas que não é saudade. É mais uma certa forma de olhar o futuro. Tó Trips & Fake Latinos, um nome com um certo piscar de olho à nossa latinidade que de certa forma é diferente dos restantes. A nossa latinidade tem o fado e o mar, é nostálgica e abraça outros sentimentos, não é tão exuberante quanto a dos restantes latinos mas é profunda. No entanto Tó Trips, nas composições de Dissidente aproxima-se de algumas dessas latinidades em ritmo e sentir, não se extinguindo neste sentir português que parece uma latinidade também ela um bocado à margem dessa mesma ideia.

Pouco passa das 21 quando se começa a ouvir uma espécie de ruído, azáfama de rua, que se mistura com os sons do público e a ovação aos músicos que vão entrando para tomar conta dos seus lugares; Helena Espvall no violoncelo, Alexandre Frazão na bateria e António Quintino no contrabaixo.

Havana Alfama, Fiesta Triste e Rua Escura e Dissidente, que dá nome ao disco encetam o espectáculo montado no Maria Matos sob luzes quase sempre vermelhas, apenas com o nome de Tó Trips & Fake Latinos em pano de fundo, e com imagens dos músicos projectadas.

Começa lento e melancólico, como se estivéssemos a chegar no final da festa, naquele momento em que vemos Tó Trips duplicado no palco numa ténue projecção, curvado sobre a guitarra, vemos um diálogo a oito mãos ser construído, ou um retrato de sons e vidas, pejado de ecos e com cheiro a noite.

Lisbon Fever apresentada, para melhor se compreender, como aquela música que pode realmente ser a música do final de uma noite em que vemos apenas as ruas a desfilar através da janela de um qualquer transporte até casa, enquanto revivemos lentamente a noite uma última vez antes de a encerrar.

  • 20250331 - Tó Trips & Fake Latinos @ Teatro Maria Matos
  • 20250331 - Tó Trips & Fake Latinos @ Teatro Maria Matos
  • 20250331 - Tó Trips & Fake Latinos @ Teatro Maria Matos
  • 20250331 - Tó Trips & Fake Latinos @ Teatro Maria Matos
  • 20250331 - Tó Trips & Fake Latinos @ Teatro Maria Matos
  • 20250331 - Tó Trips & Fake Latinos @ Teatro Maria Matos
  • 20250331 - Tó Trips & Fake Latinos @ Teatro Maria Matos
  • 20250331 - Tó Trips & Fake Latinos @ Teatro Maria Matos
  • 20250331 - Tó Trips & Fake Latinos @ Teatro Maria Matos

Morna Cola, morna como o nome e suavíssima, com um solo de António Quintino para depois deslizarem para Tango Surdina, recuperado da banda sonora do filme Surdina (Rodrigo Areias,2020), sobre uma Lisboa que já não é ruína mas é  fantasma enquanto sobrevive a si própria. Old Times Bunny, e depois uma incursão a um passado relativamente recente com Amor em Tempos Fodidos de Popular Jaguar (2023) para novamente voltarmos ao presente com Á Beira Tejo com os meus Amigos Fantasmas que Tó Trips dedica a todos os amigos que já perdeu.

Entram em cena Luís Cunha e o seu trompete para uma homenagem a Chet Baker, L.A. Chet que figurou originalmente em Popular Jaguar tem agora em Dissidente uma nova vida, e cola-se a Kerouac onde ouvimos em loop a voz de Kerouac enquanto a música se vai desvendando aos poucos sobre a voz, para irmos desembocar a East Village que traz ao palco Vítor Cabrita de saxofone em punho.

Fake Latinos é anunciada como última música, mas cá no íntimo todos sabemos que não ficaríamos ainda por aqui, mas jogamos o jogo, e fazemos o que já alguns haviam ensaiado algumas músicas antes, aplaudimos de pé e agradecemos o privilégio de ver e ouvir em primeira mão uma história musicada que nos fala tão intimamente, como se sempre lá estivesse estado. O encore traz Península dos Índios (Popular Jaguar,2023) e Para Lá de Marraquexe, música inspirada naquele pessoal que ali nos anos 80/90 partia de mochila às costas com 50 paus no bolso para ver o mundo

E a última, um regresso a Kerouac, que também figura em Dissidente, mas é originário de uma colaboração entre Tó Trips e Tiago Gomes centrada em Kerouac, End of an Undless Road, parece fazer com que tudo volte ao inicio mas leva-nos a uma segunda e demorada ovação de pé onde ficaram presos os ecos de uma noite plena na redescoberta de sons que nos são quase tão familiares como se sempre lá tivessem estado, como se já as tivéssemos dançado sozinhos ou acompanhados, numa madrugada qualquer enquanto descíamos do Bairro até ao Cais.